Dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio, durante homilia da missa comemorativa dos 150 anos da atividade vicentina no Brasil. Foto / Facebook/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Diz-se do brasileiro que o povo é bom e está sempre pronto a ajudar o próximo, verdade inegável e facilmente comprovada por exemplos, aqui desnecessários. Dá-me também essa certeza um olhar para o passado e uma viagem para o presente.

No último dia 4 de agosto a Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP) completou 150 anos de marcante presença no Brasil. O ápice das comemorações foi a missa solene celebrada por Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, na Catedral Metropolitana de São Sebastião, pela fundação da conferência São José, em 1872, na capital fluminense.

A primeira célula vicentina em terras brasileiras nasceu de uma conversa após um jantar no Seminário São José, dos padres lazaristas, informa o Boletim Brasileiro, publicação do Conselho Nacional do Brasil (CNB) da SSVP. Na ocasião, Francisco Lemos de Faria Pereira Coutinho, o conde de Aljezur, comentara sobre as ações da SSVP na Europa, onde tinha sido pioneiro do vicentinismo em Portugal. Nascido no Brasil-colônia em 1820, Francisco Coutinho era um nobre da confiança do imperador Dom Pedro II.

O tema da conversa despertou grande interesse. Duas semanas depois o grupo se reunia novamente para, dessa vez, fundar a conferência São José, da qual o conde foi eleito presidente. Antônio Secioso Moreira de Sá, advogado, foi escolhido tesoureiro, e o médico Pedro Fortes Marcondes Jobim, secretário.

PUBLICIDADE

País mais vicentino

Um século e meio depois, com mais de 120 mil inscritos em 15 mil conferências, o Brasil é o país mais vicentino do mundo, corroborando, de certa forma, a assertiva do primeiro parágrafo deste texto. Com 740 conferências e 6 mil membros ativos, o Conselho Metropolitano de São José dos Campos, que compreende o Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Litoral Norte, responde por 5% desses montantes.

As conferências são a base do movimento. Na expectativa de sua santificação, confrades (homens) e consócias (mulheres) de todas as idades praticam a caridade anonimamente, sem que a mão direita saiba o que faz a esquerda. Simplesmente enxergam Cristo no pobre, como ensina São Vicente.

Os conselhos (particular, central, metropolitano, nacional e geral internacional) são responsáveis por organizar, incentivar, implementar ações e fixar diretrizes para o bom funcionamento do grupo em sua área de atuação.

A conferência se reúne em lugar preestabelecido e nenhum dirigente está desobrigado de frequentá-la. Um exemplo é Renato Lima, primeiro brasileiro a presidir o Conselho Geral Internacional (CGI), com sede em Paris. Morador em Brasília, ele é membro da conferência São Francisco de Assis.

Os encontros são semanais e propositivos quanto a uma solução para as carências do desvalido, normalmente de ordem material. Além da visita à casa da família assistida, o vicentino não é alheio a outras ações altruístas, como estar com o doente no hospital, com o interno no asilo etc., tendo em mente que a fé sem obras é morta, como advertiu São Tiago.

A SSVP foi fundada em 1833, em Paris, por um grupo de seis estudantes e um professor da Universidade Sorbonne liderados por Antônio Frederico Ozanam, cujos 25 anos de beatificação pelo papa João Paulo II serão festejados no próximo dia 22. Poucos meses depois de criadas, as Conferências de Caridade –como eram chamadas inicialmente– ganharam São Vicente como patrono e a denominação atual.

Renato Lima, presidente do Conselho Geral Internacional, entrega ao papa Francisco a bandeira símbolo da caridade. Foto / Facebook/Reprodução

Presente em 140 países da lista da Organização das Nações Unidas (ONU), a entidade nasceu de uma implacável defesa do catolicismo aos ataques agnósticos. Leiga, presta obediência e trabalha em sintonia com a Igreja Católica, sendo praxe estabelecer com as paróquias uma via de duas mãos.

Um exemplo dessa boa convivência é o Bosque dos Eucaliptos, em São José dos Campos. Lá, o padre encaminha para os vicentinos os pedidos de ajuda que a paróquia recebe, mas contribui para o abastecimento da despensa, de onde saem as cestas de alimentos para os socialmente vulneráveis.

Além disso, incentiva o fiel, na missa, a ser generoso com a Campanha do Quilo, tradicional meio de arrecadação dos vicentinos, juntamente com a coleta nas reuniões semanais da conferência.

PUBLICIDADE

Curiosidades

Mora em Perdões (MG) o mais velho vicentino em atividade no Brasil. José Oliveira de Assis completou 103 anos no dia 30 de julho e está engajado desde os 9 anos.

Quem um dia abraçou a causa dos pobres foi o poeta Carlos Drummond de Andrade. É dele o poema abaixo, em que descreve a reunião de sua conferência, provavelmente em Itabira (MG), sua terra natal, quando menino.

Drummond: homenagem à SSVP. Foto / Reprodução

Os pobres

Domingo. Tarde. Consistório da Matriz.

Luz escassa no adro verde.

Comprida toalha vermelho-vinho

amacia a mesa das deliberações.

 

Ao derradeiro raio de sol

bailam corpúsculos no ar.

A conferência vicentina

considera a vida dos pobres.

 

O pai não veio desta vez.

Mandou-me em seu lugar. Sou grande,

já não sou um menino estabanado

ao cuidar da vida dos pobres.

 

Mas o que sei da vida dos pobres

senão que vivem: sempre, sempre,

como a água, a pedra, o costume?

Se São Vicente manda ver

no rosto deles o do Cristo,

o que vejo é a comum pobreza

resignada, consentida,

tão natural como sinal na pele.

 

Estendo a mão com gravidade

na hora de contribuir.

Não é meu dinheiro. É meu gesto.

Não salvo o mundo. Mas me salvo.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

PUBLICIDADE