Em plena Copa do Mundo, quando as atenções de todo o planeta estão voltadas para o futebol, caiu um bombardeio de notícias sobre a saúde do maior ícone desse esporte, o rei Pelé. Inicialmente, informou-se que o “maior atleta do século XX” havia sido internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Como todos já sabemos que o paciente Edson Arantes do Nascimento está recebendo tratamento contra o câncer, a nova notícia preocupou. Não só aos brasileiros, mas ao mundo inteiro, atingindo como um raio o Catar, onde as maiores seleções do planeta disputam o título mundial. Mensagens desejando o restabelecimento de Pelé tomaram conta do público e de dirigentes esportivos. Enormes banners foram produzidos, desenrolados e exibidos para milhões de pessoas que estão assistindo aos jogos.
A sequência do tema na imprensa levou o próprio Pelé e dois de seus filhos a declararem que a internação era de rotina e ocorria mensalmente para o acompanhamento médico do tratamento. Porém, essa versão edulcorada não sobreviveu mais que um ou dois dias. Creio que foi a “Folha de S.Paulo” que primeiro jogou um balde de água fria no otimismo e noticiou que a quimioterapia a que Edson vinha se submetendo já não apresenta resultado e o paciente, a partir de agora, ficará submetido aos cuidados paliativos.
Entenda-se por cuidados paliativos uma espécie de morte assistida, um conjunto de especialidades médicas e de outros gêneros destinado a proporcionar bem-estar ao doente e compreensão a seus familiares, uma vez que nada mais pode ser feito para restabelecer a sua saúde.
Um dia depois da notícia da “Folha”, filhas do ex-jogador ainda tentaram suavizar a história. Em entrevista, disseram que “ele ainda não está dizendo adeus”. O próprio Pelé, pouco antes, declarou estar “esperançoso” com a recuperação. Não se sabe se ele está à beira da morte, mas o que se deduz da cobertura da imprensa mais comprometida com a seriedade é que, daqui por diante, a luta dos médicos será para manter o paciente bem assistido até que a morte inevitável aconteça, sabe-se lá quando.
Até aí, tudo bem –quer dizer, tudo mal. Mas o momento é oportuno para a gente comentar a função da imprensa no acompanhamento da saúde física –ou financeira– de celebridades, algumas delas veneradas por milhões de pessoas ao redor do mundo. É quando familiares e fãs tendem a acusar sites, jornais, revistas, tevês e rádios de crueldade com o seu ídolo. Será mesmo que é este o caso?
Na verdade, nós estamos falando de direitos e deveres. No caso da imprensa, o dever de informar; no caso do público, o direito de ser informado. Quanto aos ídolos alvos da curiosidade pública, também é preciso estabelecer onde fica o limite entre o direito à privacidade e o dever de continuar levando aos seus fãs e à sociedade o que durante anos ou décadas eles receberam em razão da vida pública desses personagens.
O lado cruel é que, algumas vezes, o paciente fica sabendo pela imprensa da gravidade do seu estado. Ou, mesmo sabendo que está no fim, sente a sua vida invadida em um momento dramático. Um ex-narrador de futebol dizia, em um dos seus bordões no momento de um gol: “cruel, muito cruel…”. É disso que, infelizmente, se trata. A cobertura massiva, insistente e aprofundada da imprensa em casos como este, que envolve a saúde de Pelé, é bastante cruel. Mas, como já se disse aqui, é necessária. Desde que sem apelações ou uma invasão descabida que prejudique a própria rotina do doente.
O caso Pelé me faz lembrar um outro, ocorrido em abril de 1989. A “Veja”, na época uma espécie de Rede Globo das revistas, com tiragens semanais em torno de 1 milhão de exemplares, estampou na capa da sua edição número 1.077 uma foto do cantor e compositor Cazuza, magérrimo, e a seguinte manchete: “Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”. Foi cruel, muito cruel.
No caso da “Veja” ficou na opinião pública a impressão de que faltou elegância no tratamento do assunto, que poderia ser noticiado com todas as informações que os repórteres da revista apuraram, porém sem o tratamento digno de “sentença de morte” dado na edição do material e na capa. Ainda hoje, quando surgem casos como o de Pelé, há quem se lembre do caso do Cazuza.
Saindo um pouco desse terreno dramático quando se trata da saúde humana, é oportuno lembrar que também a saúde do bolso é um assunto que desperta grande interesse no público quando envolve uma celebridade. É o caso do campeão de Fórmula 1 e de Fórmula Indy Emerson Fittipaldi. Orgulho dos brasileiros, Emerson saiu do padrão de vida reservado aos milionários para uma longa decadência nos negócios que se arrasta há décadas. No momento, o ex-piloto parece estar quase cruzando a linha de chegada da falência inevitável. Carros de corrida que pilotou e prêmios que conquistou ao longo da carreira estão penhorados.
Mais uma vez o leitor se entristece quando encontra na imprensa notícias desfavoráveis a um ídolo que cultua. Porém, não custa lembrar que, nos tempos de glórias, estes mesmos ídolos mantinham equipes de divulgação para colocá-los em destaque na mídia e, com isso, aumentar o valor dos seus ganhos com publicidade e outros negócios que dependem do grau de fama que as celebridades atingem.
Para concluir esse assunto espinhoso, lembro que este portal de notícias, o SuperBairro, adota, com raríssimas exceções, os critérios e padronizações contidos no Manual da Redação da “Folha de S.Paulo”. Para reforçar qual deve ser o papel da imprensa diante de situações como a que Pelé está vivendo, segue um trecho do verbete do manual, sob o título “doença”.
“A Folha não omite doença de um personagem da notícia se a informação for relevante para a compreensão de um fato ou se for a causadora de sua morte. Isso ocorre mesmo que a doença tenha sido ocultada pela pessoa ou por sua família. Assim, por exemplo, se um personagem da notícia tem câncer e isso altera suas atividades ou o impede de realizá-las, é preciso designar o motivo. A informação só será publicada, no entanto, se o jornal estiver seguro do fato.”
Este deve ser o procedimento adotado por um veículo de comunicação sério e responsável. Espera-se que seja o procedimento adotado no acompanhamento da saúde de Pelé, por mais invasivo que isso possa parecer. Embora possa ser visto como um comportamento cruel da imprensa, na verdade é o papel que a sociedade espera que ela exerça.
De qualquer forma, não custa encerrar esta crônica com o desejo, mesmo que irrealizável, de um fã que acompanha, desde meados da década de 1960, as façanhas e a vida do maior futebolista de todos os tempos:
– Melhoras, Pelé!
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.