Encontrei ontem um velho conhecido. Ou seria um conhecido velho? Sei lá. Leia este relato e tire a sua conclusão. Eu estava no bar de sempre, comemorando a decisão de trocar os quatro pneus do velho carro –porque velho pensa, pensa, pensa e, quando decide, é um fato histórico–, quando chega aquela figura saída de algum lugar de um passado recente.
O maior problema do velho, nesses casos, é pensar: “PQP, olha aí o sujeito com quem eu batia papo, contava histórias minhas, ouvia histórias dele, fiquei um tempo sem ver e, de repente, aparece na minha frente. Qual é mesmo o nome dele?”.
Sim, porque velho que se preza tem alguns apagões terríveis desse tipo, como não lembrar o nome das pessoas. Verdade. Você lembra de tudo, quando conheceu o sujeito, o que ele fazia, os papos trocados, as discussões travadas, a vida pessoal dele, você se lembra de tudo, menos do nome da figura.
Então já fica a dica para quem é velho ou candidato a velho. Quando encontrar um velho amigo, não torture o sujeito e não se torture. Diga logo algo do tipo: “Ô, meu querido. Está lembrado do seu amigo Wagner? Há quanto tempo! E você? Fala tudo de você, começando pelo nome”. Kakaka, eu sei que é ridículo, mas é melhor do que ficar uns vinte minutos usando “meu amigo, meu caro, caboclo, parceiro, galã” etc., simplesmente porque naquele exato momento você esqueceu completamente o nome dele.
Mas o que eu estava dizendo é que encontrei um velho conhecido. Velho, mas não tão velho assim. Era um conhecido pré-pandemia. E é incrível como uns dois ou três anos mudam tudo. Lá estava ele, um cara que eu costumava ver umas duas ou três vezes por mês, trocar ideias, ouvir histórias, contar histórias, mas que se perdeu no tempo.
Esse velho amigo fazia parte de um grupo de velhos amigos –e amigos velhos– que se reunia no bar de sempre pelo menos uma vez por semana, na sexta-feira à noite, ou até duas vezes, quando o encontro incluía a quarta-feira. Era uma espécie de grupo de WhatsApp, com a diferença de que era presencial, havia o calor do abraço apertado, a brincadeira de moleque, as piadas com ou sem graça. E as longas histórias de viagens, de festas, de comidas e bebidas, muitas delas contadas pela quinta ou sexta vez. Éramos cinco ou seis, às vezes nove ou dez, quando vinham os “agregados”, ou seja, os amigos dos amigos.
E aí o velho amigo começa a me contar como foram os últimos dois ou três anos em que a gente não se viu. Foi o tempo após o corte abrupto provocado pela maldita pandemia de covid-19. Afinal, éramos o grupo de maior risco. Pessoas até mais novas do que nós estavam bem e, de repente, sumiam nas UTIs dos hospitais e nunca mais voltavam. O afastamento foi inevitável. Até porque nem havia onde se encontrar, bares fechados, transporte difícil, máscaras, álcool gel, medo, muito medo.
Como estava dizendo, o velho amigo me atualizou. E como é conversa de velho? Falar sobre doença. Justo para mim, que detesto ouvir e falar até sobre uma simples dor de cabeça. Quando o cara afastou a camisa para mostrar uma pequena cicatriz de cirurgia na altura do ombro, eu gelei. “Lá vem uma história longa e torturante”, pensei.
Era isso mesmo. Ele contou nos mínimos detalhes o primeiro sintoma, a consulta, quem o atendeu, o procedimento, tudo o que você pode imaginar. E eu lá, ouvindo, como um velho tem que aprender a fazer. Logo eu que, ainda menino, fui com minha mãe até uma farmácia na velha rua Marechal Deodoro, a principal de São Bernardo do Campo, para que ela tomasse uma injeção. Quando vi um pouco de sangue na seringa, fui tomado de horror e, acredite, desmaiei. Pode rir, mas eu sempre fui assim em relação a doenças.
A boa notícia, além da óbvia constatação de que meu conhecido estava muito melhor de aparência do que da última vez que o vi, foi saber que, desde a sua ida até o pronto-socorro do Hospital Municipal, aquele da Vila Industrial, até a internação dele no Hospital Regional, no Parque Industrial, o homem foi extremamente bem atendido. E viva o SUS!
Mas não deixei de trocar chumbo com o sujeito e devolvi na mesma moeda, falei da cirurgia que me fizeram há três anos, quase um mês antes da encrenca causada pela pandemia, dizendo que também estava recuperado. Graças a Deus.
A única coisa não recuperada foi a convivência do nosso velho grupo de amigos que se reunia antes da pandemia. Era um grupo tão unido que um gaiato resolveu batizá-lo de confraria. Era isto mesmo, uma confraria, uma espécie de “sociedade amigos de bar” que teve de sumir de circulação por medo da covid.
A covid deu uma trégua, os bares voltaram à rotina, tudo voltou ao normal. Ou quase tudo. A confraria acabou. Agora, os velhos amigos se encontram raramente e de repente, tão de repente que a memória já meio desgastada e traidora nos faz esquecer seus nomes.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.