Hoje, andando pelo calçadão, observei uma mulher −provavelmente vendedora de uma das lojas populares−, que após fartas baforadas no cigarro lançou a bituca no passeio, depois cuidadosamente esmagou-a com o pé. Isso me incomodou bastante, confesso minha irritação. Esta não aconteceria cinquenta anos atrás, no mesmo local, embora um tanto diferente, eu mesmo fumante resgatado do vício.
Estivesse a incauta moça em Tóquio, Copenhague ou outra cidade do Primeiro Mundo, tanto agora como antes, se não levasse imediata bronca de um cidadão passante, correria o risco de tomar dolorosa multa. Fiquei com ganas de admoestá-la, como diria um velho professor, porém permaneci quieto.
Consciência pública e ecologia à parte, esse acontecimento prosaico cutucou a minha mente. Por um lado, o quanto neste Brasil varonil estamos atrasados nesses assuntos. Ao mesmo tempo, o tanto que avançamos em civilização, embora haja um sentimento generalizado de que não andamos para frente, ou até mesmo que regredimos.
Com estes últimos certamente estaria minha tia Filoca, que há muitas décadas atrás pontificava, pessimista:
− Olha aí, Zezinho, esses animais sem rabo. Sujam tudo em todo lugar, jogam papéis no chão, escarram na rua como o meu avô, riscam os ônibus e rabiscam os muros. Sujam os banheiros, pincelando as paredes, quebram tudo numa sanha destrutiva. Talvez seja uma espécie de vingança, revolta, sei lá. O Brasil foi colonizado por europeus incultos, que tiveram como comparsas índios, aborígenes e uma canalha branca −ladrões da corte e degredados. Tinha de dar nisso. Não falta educação, falta civilização! Assim não vai dar certo nunca!
Titia não tinha papas na língua e a sua linguagem e entendimento eram frutos da época, outro contexto, de que divirjo totalmente no aspecto preconceituoso. Contudo, faço esse esforço de memória para mostrar o lado pessimista do brasileiro que acredita que tudo vai de mal a pior. “O tempora, o mores”.
Ouso discordar: não estamos regredindo não, meu amigo, ao contrário. Primeiramente, anoto que o problema do Brasil não está em tais pessoas incultas, algumas nem tanto, porém justamente naqueles que monopolizaram, desde sempre, o conhecimento. Mas não é essa questão histórica e sociológica a abordar, nem comporta debate aqui.
O fato é que o Brasil está efetivamente a melhorar ao longo do tempo, basta simples olhar na história e nas estatísticas, comparando-nos com as nações desenvolvidas. Em 1890, no alvorecer da República, o Brasil tinha 82,6% de analfabetos! Apenas uns três produtos de exportação, o principal o café. Desprovido de indústrias e endividado, fazia feio no cotejo das nações. Cidades sujas e sem a menor higiene, nosso país estava à volta com doenças de todo tipo.
Os Estados Unidos da América, por seu lado, nessa época estava se tornando a maior potência mundial, superando o antigo Império Britânico, liderando o globo em todos os aspectos. Altamente industrializado a partir da Guerra Civil de 1865, já possuía uma universidade desde 1636, Harvard, em Cambridge, Massachussetts. O Brasil só veio a criar a sua primeira em 1920, a Universidade do Rio de Janeiro!
Ora, o Brasil cresceu, não? E muito, na comparação com nosso grande irmão do norte da América. Na realidade, de olho ainda nos números das estatísticas, nosso índice de analfabetismo caiu para 6,6% em 2022, ou seja, longe da situação pavorosa de 1890.
Aproveito para sugerir, àqueles que ainda não o conhecem, o autor Vianna Moog, em sua clássica e ainda atualíssima obra “Bandeirantes e Pioneiros”, que mostra um paralelo muito revelador entre as duas culturas. Leitura obrigatória.
Na verdade, temos hoje cidades modernas, saneamento, malha rodoviária, infraestrutura mínima, a educação saiu da situação ridícula de antanho. Somos os maiores exportadores de alimentos do mundo, temos uma agropecuária poderosa, muita terra agricultável, sem a menor necessidade de desmatar nossas florestas. Contamos com uma indústria nada desprezível. Não é otimismo ingênuo, mas mera lucidez em face da ciência, sem intimidação diante das dificuldades da nação, mesmo à mercê das constantes tragédias contemporâneas.
Muito foi feito por nós brasileiros, a despeito de crônica corrupção e incipiência cultural, e não podemos nos esquecer daqueles que tanto fizeram pelo país ao longo da História. Os muito maus, ora, como dizia tia Filoca: − Eu quero que esses brasileiros maus se escafedam ou vão cumprimentar o capeta, gozando de sua hospedagem no momento oportuno!
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.