Eu (no colo), em Campos do Jordão, com os irmãos M. Teresa, J. Luiz e Jandira Fourniol

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

− Vamos, bem, a Campos amanhã, sábado? Eu preparo um lanchinho para nós, as crianças vão adorar.

Pela pergunta vi que a mulher estava disposta. Isto ocorreu há cinquenta anos, mas vale para o deleite dos antigos e a curiosidade dos jovens. Os filhos, pequenos, nós no início difícil de vida.

Fusquinha 1964, vermelhinho, restaurado e com sapatinhos novos, gastava pouco, motor e farol fracos, bateria seis volts. A fraqueza maior: a bomba de gasolina. Era só parar, por exemplo, na lanchonete no centro da vizinha Paraibuna, rumo à sonhada Caraguatatuba, que o estrago se fazia. A tal bombinha esquentava e travava, parando de bombear gasolina. Resultado: cem metros depois de sair dessa parada técnica para pipis o bendito motor apagava.  Solução: deixava esfriar, jogava uma aguinha em cima da bombinha e rumo à praia. Único Fusca refrigerado a água!

No caso da querida Cidade Presépio, onde judiquei por alguns meses em 1984, esse enguiço se dava bem em frente ao cemitério local, cujo portal trazia uma inscrição sinistra, reprodução de outras semelhantes na Europa: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”.  Muito sugestiva ao viajante.

Voltando ao programa de Campos do Jordão, o leitor mais jovem não imagina o que era isso se olhar só para as facilidades de hoje, Via Dutra ou Carvalho Pinto, Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, uma hora de rota tranquila entre São José e as delícias da serra paulista.

Não, amigo. Era na extremamente tortuosa Rodovia São José dos Campos–Campos do Jordão, a atual SP 050, passando pela aprazível Monteiro Lobato. Campeã mundial de curvas, mais de oitocentas, levava um tempão, bem acima de duas horas. E pau no fusquinha, chacoalhando de cá para lá!

Chegava-se, enfim, a Campos do Jordão, a cidade mais bela das montanhas –ou da Serra da Mantiqueira. Ar puro, altitude média de 1.628 metros acima do nível do mar, clima agradável, sempre fresquinho, mesmo no verão. Temperatura bem menor que a de São José, no Vale do Paraíba, muito mais fria que o restante do Estado de São Paulo e a maior parte do Brasil. Foi por muito tempo considerada a cidade perfeita para a cura da tuberculose, prima rica da antiga São José dos sanatórios.

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Campos do Jordão é o local onde a elite de São Paulo resolveu instalar formidáveis chalés na montanha, algumas verdadeiras mansões de luxo, capitaneadas pelo Palácio de Inverno do Governo do Estado de São Paulo, belíssimo castelo em estilo Tudor. Iniciado pelo controvertido governador Adhemar de Barros, nos anos 1940, serve ainda de residência oficial dos governadores.  Abriga obras de arte preciosas e mobiliário histórico. Uma parte foi transformada em museu e todos podem visitá-la.

O nosso passeio, de fusquinha, era de um dia, com direito de visitar o palácio e fazer o indefectível footing no centro da Vila de Capivari, ao redor do bar Baden- Baden e da Igreja de São Benedito.  Consumíamos o farnelzinho, comprávamos chocolates, algumas roupas de lã e toca a subir no teleférico, até o alto do Morro do Elefante. Eu, particularmente, com receio de altura, sofria um bocado.

Hoje o local está todo reformado, teleférico chique, primeiro mundo, com museu da estrada de ferro na antiga estação, jardins, lago e pedalinhos, banheiros limpíssimos, restaurantes e lojas de grife.  O auditório da Praça de São Benedito foi para lá. No entanto, as lojinhas populares e ambulantes, o que era previsível, espirraram com a concessão.

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A minha ligação amorosa com a cidade é antiga. Fui com meus pais a Campos do Jordão, pela primeira vez, em 1948, não havia teleférico nem Baden-Baden. Viajamos de São Paulo a Campos de trem, único acesso viável. Tiraram o meu retrato, como se dizia, bem em frente à Igreja de São Benedito, no Capivari, onde seria a atual praça. Tudo de chão batido, eu de chupeta e fraldas, meus irmãos mais velhos segurando a minha mão.

Já casado, fiz esse programa modesto com a família por várias vezes, os tempos eram outros. Mesmo com uma volta para casa enfrentando as infindáveis curvas, todos chegávamos mareados, mas muito satisfeitos. Éramos felizes e não sabíamos!

Hoje, no entanto, em melhores condições, quando alguém me convida para subir na apavorante cadeirinha, respondo de pronto:

− Tô fora! Fico aqui embaixo tomando um chopinho!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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