Tortura?: professora fotografa criança amarrada a poste em escola no bairro do Cambuci, em São Paulo. Foto / TV Globo/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Sempre acreditei em uma força superior, que chamo de Deus. Da mesma forma, acredito em um plano espiritual onde atuam os espíritos criados por este Deus, que cada religião trata à sua maneira: anjos, santos, guias, avatares, espíritos protetores etc. etc.

Mas não tinha o hábito de rezar todos os dias, como tenho hoje. Deve ser coisa da idade. Faço isso pela manhã, agradecendo por mais um dia e pedindo proteção para tudo o que está ao meu redor. Fiz uma espécie de “roteiro de oração”, que repito como um mantra, enxertando um agradecimento ou um pedido a mais quando necessário.

Cada um reza à sua maneira. No meu caso, abro a minha oração pedindo que “o Senhor abençoe a toda a Humanidade”. E completo logo em seguida: “principalmente às crianças”. Isto mostra o quanto as crianças mexem com a minha sensibilidade. Já era assim desde a chegada da minha filha, cerca de 25 anos atrás, e fiquei ainda mais sensível com a vinda ao mundo da minha neta, que vai completar seis anos no próximo dia 25 de julho.

Amo demais minha neta, mas você já percebeu que não sou egoísta, peço por todas as crianças do mundo. Todos os dias. Sem falhar um dia sequer. E acho que faço pouco. Toda criança merece amor, atenção, alimentação, educação, saúde e tudo o mais que possa protegê-la em um planeta extremamente cruel com muitos de seus moradores, não importa o país, não importa a classe social.

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Toda notícia envolvendo crianças me impacta de uma forma muito intensa. Leio o título e penso se quero mesmo ler o texto. Em alguns casos, pulo para assuntos mais amenos. Tento evitar o meu próprio sofrimento pela impotência de não poder fazer nada.

Nestes dias, venho sendo atormentado com o caso das crianças de uma escola no bairro do Cambuci, na cidade de São Paulo, que teriam sido maltratadas, castigadas e até torturadas pelo casal de proprietários. Soube ontem que eles finalmente se entregaram à polícia e ficarão presos por 30 dias enquanto o caso é investigado.

As cenas gravadas por uma professora são chocantes. Uma criança de menos de três anos aparece amarrada a um poste. Não vi, mas li que as gravações incluem gritos estridentes com os pequenos, humilhação contra uma criança que urinou nas roupas e outros absurdos. Fala-se até em um certo quarto escuro que serviria para castigar os “delinquentes mirins”.

Como sempre, os advogados da dupla garantiram que seus clientes são absolutamente inocentes. Caberá à polícia comprovar as acusações, o que é correto e faz parte do direito que cada cidadão tem de ser presumido inocente até que exista prova em contrário.

Não custa lembrar um caso antigo, o da Escola Base, que funcionava no bairro da Aclimação, também em São Paulo. No ano de 1994, o casal de proprietários, uma professora e um motorista de van escolar foram acusados de pedofilia contra crianças na faixa de quatro anos de idade. O caso provocou a depredação da escola, tentativa de linchamento e destruiu as vidas dos acusados. Tempos depois, concluiu-se que as acusações eram falsas, mas aí já era tarde: o destino dos envolvidos estava definitivamente selado.

Ou seja, deixemos tudo nas mãos das autoridades, sem antecipar julgamentos. Quero dizer que ficaria extremamente feliz se o caso atual também fosse concluído com a notícia de que nada aconteceu de errado. Porém, sinto que desta vez os indícios e as possíveis provas são contundentes. Vamos aguardar.

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Outro caso recente que me deixou chocado foi o de uma criança que teria sido morta na casa da família por ter, conforme estampou o título da matéria, aberto a geladeira sem autorização. Já imaginou, caro leitor, o que é uma criança inocente abrir a geladeira da sua própria casa e ser morta por isso? Confesso que não quis ler os detalhes da tal notícia. Não preciso saber mais do que eu soube.

Acho que dois exemplos bastam para o que vou dizer agora. Os maus tratos a crianças acontecem aos montes e em todos os lugares. Às vezes, acontecem muito próximos de nós, em casas de vizinhos, em casas de parentes, em escolas, clubes, clínicas, hospitais, parques e até nas ruas. Nenhum lugar está livre disso.

E aí entra a obrigação que cada um de nós deve ter, entra o compromisso que precisamos assumir de não virarmos as costas para casos de violência infantil, principalmente os praticados por pais e responsáveis. Ninguém pode se omitir de denunciar qualquer suspeita –desde que fundamentada– de crime contra esses seres inocentes e vulneráveis. É claro que isso não se faz com sensacionalismo, com escândalo, com o propósito de “fazer justiça com as próprias mãos” [sobre isso, leia aqui a minha coluna da semana passada no SuperBairro].

Sua denúncia pode ser feita para qualquer força policial que esteja mais próxima de você –Polícia Militar, Guarda Civil Municipal, Polícia Civil e outros órgãos– mas pode também ser feita diretamente na Vara da Infância e da Juventude da sua cidade, que é o canal onde desaguam todos esses casos. É quem aplica o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Aí entra um outro endereço valioso para a proteção à criança. O Conselho Tutelar, um órgão acionado sempre que ocorrem casos em que crianças e adolescentes estejam em situação de risco pessoal ou social. Seus agentes –os conselheiros tutelares– são escolhidos pela sociedade em eleições realizadas periodicamente.

Pronto. Fiz o meu desabafo, confessei a minha profunda indignação com os maus tratos a crianças e procurei apontar caminhos para que nenhum adulto se omita diante desse tipo de violência. E vou continuar pedindo a Deus, diariamente, que proteja a toda a Humanidade, mas… principalmente às crianças.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.

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