Proprietários e funcionários do B&B Drinks comemoram a reconquista do alvará de funcionamento; os sócios Bruno e Rodolfo são o terceiro e o quarto (da esq. p/a a dir.), respectivamente. Foto / SuperBairro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Sentença de juíza dá vitória ao estabelecimento porque teria sido negado a ele o direito de defesa; o B&B Drinks comemora, mas diz que está aberto a conversar com os órgãos públicos e a comunidade; líder de moradores diz que aceita dialogar, mas que eles continuarão acionando a fiscalização e a polícia; Prefeitura diz que vai recorrer da decisão judicial

 

WAGNER MATHEUS

Em sentença proferida na quarta-feira (23) e só divulgada em redes sociais na quinta-feira (24), a juíza Laís Helena de Carvalho Scamilla Jardim, da 2ª Vara da Fazenda Pública, decidiu a favor do estabelecimento comercial B&B Drinks, localizado na Vila Ema, e determinou que a Prefeitura de São José dos Campos devolva o alvará de funcionamento que havia sido cassado no último dia 25 de maio.

A juíza explicou sua decisão –leia a íntegra da sentença no final deste texto– com base no fato de o B&B não ter tido direito de defesa no processo de cassação da licença de funcionamento em razão de perturbação do sossego público e outras irregularidades.

A juíza citou o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que diz: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Após a decisão, o estabelecimento pode funcionar normalmente com o alvará recuperado –estava operando graças a uma medida liminar também concedida pela Justiça–, embora deva continuar sofrendo novas fiscalizações do Departamento de Fiscalização e Posturas Municipais (DFPM) da Prefeitura.

B&B propõe diálogo

A vitória na Justiça foi comemorada pelos sócios do B&B, Bruno Santos Barbosa, de 23 anos, e Rodolfo Borges, de 22. Bruno disse estar aberto para negociar com os órgãos públicos e com moradores da Vila Ema. “Não tenho problemas com a Prefeitura, a polícia ou a fiscalização, os comandos na avenida até dão mais segurança para nós, só quero trabalhar”, garantiu.

Ele disse ainda que o estabelecimento tem procurado atender às reclamações de moradores que chegam até a Prefeitura. “Já contratamos de dois a três seguranças que não permitem som [em veículos] no lado de fora do bar, mas não somos responsáveis pelo que acontece após o fechamento”, explicou. “Também fazemos a limpeza do local na mesma noite após baixar as portas e, no dia seguinte, recolhemos logo cedo o que foi deixado por quem ficou até mais tarde.”

Questionado novamente pelo SuperBairro pelo fato de frequentadores estarem usando paredes de imóveis da avenida Heitor Villa-Lobos –onde está situado o comércio– e ruas próximas para urinar, Bruno insistiu que o B&B possui dois banheiros no fundo da loja que estão à disposição dos clientes.

Ele disse ainda que, antes da cassação do alvará pela Prefeitura, seu advogado propôs um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) parta resolver os problemas apontados. “Mas eles não quiseram diálogo”, garantiu.

O empresário também desmentiu que já tivesse recebido mais de R$ 60 mil em multas, conforme o SuperBairro publicou com base no depoimento de uma fonte de informação. “Nunca fomos multados, só tomamos uma notificação quando já tínhamos conseguido a liminar e por isso vamos recorrer dela”, disse.

Horário de bar

Os sócios do B&B Drinks disseram que a questão mais importante a resolver com a Prefeitura no momento é quanto ao horário de funcionamento. Segundo eles, a Prefeitura determina o horário-limite de 22h, enquanto o B&B defende a abertura até a meia-noite. “Nosso horário tem sido, de terça a sábado, até a meia-noite e, no domingo, até as 22 horas”, revelou.

Segundo o empresário, a fiscalização quer que o horário do B&B seja o mesmo imposto às adegas da cidade, mas ele contesta esse tratamento: “Nós somos um bar, nosso alvará é de bar, nem podemos funcionar como adega porque nós fracionamos doses para preparar os drinks, e as adegas, por lei, não podem fazer isso”, disse.

Com base nesse argumento, o sócio do B&B defendeu que o estabelecimento funcione com a mesma regra de horário dos demais bares. “A lei foi feita para todos, ou todos abrem até o mesmo horário, ou todos fecham”, concluiu.

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Prefeitura vai recorrer

Contatada pelo SuperBairro, a assessoria de imprensa da Secretaria de Proteção ao Cidadão (Sepac) emitiu a seguinte nota na tarde desta sexta-feira (25):

“A Prefeitura de São José dos Campos informa que tem conhecimento da decisão judicial referente ao processo do estabelecimento B&B Drinks e vai recorrer da decisão assim que for intimada oficialmente pela Justiça.

A Prefeitura reitera que em respeito à preservação do sossego público, continuará realizando ações de controle e fiscalização dos estabelecimentos, independente de qualquer decisão judicial. Além disso, trabalha na elaboração de projeto de lei que versa sobre a atualização do código administrativo do município (Lei nº 1566/1970), que irá estabelecer ferramentas de controle modernas sobre os estabelecimentos comerciais que exercem suas atividades descumprindo regras de funcionamento e propiciar ampliação da capacidade de fiscalização para coibir práticas irregulares e abusivas, inclusive com a redução dos prazos para ações mais efetivas do poder público municipal.”

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Moradores lamentam

A líder do grupo “Moradores Vila Ema”, Patrícia Borges, disse nesta sexta-feira que irá conversar com a Prefeitura para pedir a continuidade das ações em andamento e novas autuações contra o B&B Drinks. “Nós já esperávamos esse resultado [devolução do alvará de funcionamento], porque a Prefeitura, na ânsia de resolver a questão, teria cometido um vício processual”, lamentou. “Eles [Prefeitura] deveriam ter dado os prazos para a defesa, mas cassaram o alvará direto.”

Patrícia comentou que o grupo de moradores formado no Facebook, que tem atualmente 409 participantes, está sendo instruído a continuar fazendo denúncias à fiscalização e à polícia. “Nossa orientação é que todos exijam os protocolos para que eles sejam usados em um novo processo contra o estabelecimento.

Quanto à disposição manifestada pelo B&B em dialogar com a comunidade e os órgãos públicos, ela assegurou que está disponível a sentar e conversar. “Não estamos aqui para fechar comércio, mas queremos que as leis sejam cumpridas”, explicou. “Não tenho nada contra o diálogo, só espero que o B&B Drinks caia em si e corrija os seus erros.”

A líder comunitária finalizou dizendo que tem sido procurada por outros bares do bairro para buscar um entendimento: “Isso é muito importante, todos têm o direito de trabalhar, só não podem extrapolar.”

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A íntegra da sentença

Juiz(a) de Direito: Dr.(a). Laís Helena de Carvalho Scamilla Jardim

Vistos.

49.158.313 Bruno Santos Barbosa impetrou mandado de segurança contra ato imputado ao SECRETÁRIO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE PROTEÇÃO AO CIDADÃO – DEPARTAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DE POSTURAS MUNICIPAIS DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, consistente na aplicação da penalidade de cassação sumária de suas atividades, que foi imposta sem observação do devido processo legal.

Concedida a liminar (fls. 58/59), o Município apresentou contestação a fls. 74/82, batendo-se pela legalidade do ato administrativo.

O Ministério Público se manifestou a fls. 54/57 afirmando não haver interesse jurídico que justifique sua atuação no feito.

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Trata-se de mandado de segurança em que a impetrante visa combater a penalidade drástica aplicada pela autoridade coatora de cassação de alvará de funcionamento e baixa da Inscrição Municipal, aplicadas pela decisão copiada à fl. 174 do processo administrativo, sem que antes tivesse sido a impetrante notificada a se defender.

Em que pesem os esforços despendidos pelo Município, a pretensão da impetrante não tem como deixar de ser acolhida. Isto porque os documentos acostados aos autos comprovam que a penalidade de cassação de suas atividades foi mesmo aplicada sumariamente, em violação à garantia estabelecida pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, a qual dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meio e recursos a ela inerentes”.

Nesse sentido, o documento de fls. 148 comprova que o processo administrativo para cassação da atividade (nº 68723/2023) foi instaurado em 22/05/2023, encaminhado para cassação na data de 23/05/2023 (fls. 169/170) e aplicada a penalidade de cassação de Alvará de Funcionamento e baixa da inscrição pelo Diretor da Sala do Empreendedor em 25/05/2023 (fls. 174).

Com efeito, sem que a impetrante tenha sido notificada a se defender de conduta catalogada legalmente, foi sumariamente “atendida a solicitação de Cassação de Alvará de Funcionamento, bem como a baixa da Inscrição Municipal, da empresa CNPJ 49.158.313/0001-61, sito à Avenida Heitor Vila Lobos, 626 – Vima Ema – Inscrição Municipal nº 448.439” (verbis, fl. 174).

Ato contínuo, foi lavrado Termo de Ciência de aplicação da penalidade em25/05/2023, no qual se concedeu o prazo de 10 (dez) dias para encerramento de todas as atividades no local.

Desse modo, as alegações do ente municipal expostas nas informações prestadas não têm como ser acolhidas, haja vista que não foi apresentado qualquer documento conferindo à impetrante o direito de se defender da penalidade aplicada em data anterior à aplicação da penalidade.

Observe-se o que a legislação invocada pelo Município para sustentar a legitimidade do ato impugnado vem disposta no Título IV, Capítulo I, artigo 348, “caput”, c/c artigo 353, ambos do Código Administrativo e de Posturas de São José dos Campos (Lei 1.566/1970):

Art. 266. Os infratores das disposições desta Lei Complementar ficam sujeitos à aplicação das multas e penalidade, abaixo:

I – desenvolver atividade sem licença de uso ou com categoria de uso diferente daquela constante da respectiva licença: Multa de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) e Interdição de uso ou atividade;

ARTIGO 353 – A licença de localização poderá ser cassada:

I – quando se tratar de negócios diferentes do requerido;

II – omissis;

III – se o licenciado se negar a exibir o alvará de localização à autoridade competente, quando solicitado a fazê-lo;

IV – omissis

PARÁGRAFO 1.º – Cassada a licença, o estabelecimento será imediatamente fechado.

PARÁGRAFO 2.º – Poderá ser igualmente fechado todo – estabelecimento que exercer atividades sem a necessária licença expedida em conformidade com o que preceitua este Capítulo.

ARTIGO 348 – Nenhum estabelecimento comercial ou industrial poderá funcionar no Município sem prévia licença da Prefeitura, concedida nos termos da legislação tributária do Município, a requerimento dos interessados, mediante o pagamento dos tributos devidos.

Nada obstante a possibilidade prevista em lei de cassação do alvará de funcionamento de estabelecimento que atue em desacordo com a licença concedida, não pode a Administração Pública prescindir do devido processo legal administrativo para aplicação das sanções.

Anoto, contudo, que as novas ações fiscalizatórias mencionadas na petição de petição de fls. 218/223 fogem ao objeto deste processo e se tratam de novas questões, a serem dirimidas em ação própria.

Ante o exposto, CONCEDO a segurança pleiteada para, convalidando a liminar concedida a fls. 111, determinar à autoridade coatora que restabeleça a licença de funcionamento das atividades da empresa impetrante, nos dias e horários normais de funcionamento do comércio, inclusive aos sábados, domingos e feriados, sem prejuízo da possibilidade de nova apenação ao fim de processo em que a garantia acima seja observada.

Oficie-se à autoridade coatora comunicando esta decisão

Custas e despesas pelo impetrado.

Sem honorários, à vista da Súmula 512 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

Sentença sujeita a reexame necessário (art. 14, parágrafo 1º da Lei 12.016/09).

Oportunamente, com ou sem recursos voluntários, remetam-se os autos ao E.

Tribunal de Justiça de São Paulo.

Publique-se e intimem-se.

São José dos Campos, 23 de agosto de 2023.