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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Martha Medeiros

 

Morre lentamente quem não troca de ideias,

não troca de discurso, evita as próprias contradições.

 

Morre lentamente quem vira escravo do hábito,

repetindo todos os dias o mesmo trajeto e

as mesmas compras no supermercado.

Quem não troca de marca,

não arrisca vestir uma cor nova,

não dá papo para quem não conhece.

 

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário.

Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema,

mas muitos podem,

e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens

que traz informação e entretenimento, mas que não deveria,

mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.

 

Morre lentamente quem evita uma paixão,

quem prefere o preto no branco e os pingos nos is

a um turbilhão de emoções indomáveis,

justamente as que resgatam brilho nos olhos,

sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

 

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,

quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,

quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

 

Morre lentamente quem não viaja,

quem não lê, quem não ouve música,

quem não acha graça de si mesmo.

 

Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio.

Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional.

Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.

 

Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda,

e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino:

então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.

 

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte

ou da chuva incessante,

desistindo de um projeto antes de iniciá-lo,

não perguntando sobre um assunto que desconhece

e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Morre muita gente lentamente,

e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira,

pois quando ela se aproxima de verdade,

aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante.

Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia.

Já que não podemos evitar um final repentino,

que ao menos evitemos a morte em suaves prestações,

lembrando sempre que estar vivo exige um esforço

bem maior do que simplesmente respirar.

 

Martha Mattos Medeiros é escritora, aforista e poetisa. Nasceu em 20 de agosto de 1961, em Porto Alegre (RS). Conhecida como uma das melhores cronistas brasileiras, entre suas obras mais conhecidas estão “Divã”, “Doidas e Santas” e “Feliz Por Nada”. Seus livros já ultrapassaram a marca de 1 milhão de exemplares vendidos. Fonte: Wikipédia

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> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.

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