Foto / Internet/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Há poucos dias, li uma reportagem falando de um menino bom, que se transformou em um jovem educado, estudioso e muito inteligente. Concluiu os cursos superiores de farmácia e bioquímica na USP, a badalada Universidade de São Paulo, engrenou um doutorado, também em química, na mesma universidade e, quando tinha tudo para colher o resultado da sua dedicação, sucumbiu à depressão, ao uso de drogas e, nos dias de hoje, a uma total incapacidade de gerir a sua vida.

Este jovem, que hoje está com 36 anos, chama-se Andreas von Richthofen, que tinha 15 anos de idade em 2002, quando sua irmã Suzane, auxiliada pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, matou seus pais, o casal Manfred e Marísia von Richthofen.

Andreas bem que tentou, mas parece que não consegue carregar o peso da tragédia que se abateu sobre ele. Ele é, sem dúvida, a terceira vítima do crime brutal da irmã. O rapaz educado, estudioso e inteligente cedeu espaço para um adulto problemático e solitário. Daí o portal de notícias UOL voltar a falar dele, desta vez para revelar que contraiu dívidas, principalmente com o não pagamento de impostos, e correria risco de perder parte da herança que recebeu dos pais. Curioso? Clique [aqui] e leia a reportagem.

Depois de ler o texto, vi um certo exagero no risco de Andreas ficar com dificuldade de sobrevivência, uma vez que o valor dos bens herdados foi estimado em torno de R$ 10 milhões. Como as dívidas relatadas são de IPTU e outros valores não tão altos, penso ser difícil que ele fique pobre.

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Mas o que me deixou triste –e me levou a escrever este texto– não tem nada a ver com dinheiro. Quero falar da injustiça que o destino cometeu com Andreas e, ao mesmo tempo, da injustiça que premiou Suzane –e que tem premiado tantos autores de crimes bárbaros ultimamente.

Veja só. Suzane é a autora intelectual da morte dos pais, ocorrida em 2002. Depois de julgada, começa a cumprir pena de 39 anos e seis meses no complexo penitenciário de Tremembé, cidadezinha aqui na RMVale, colada em Taubaté. O lugar, é bom que se diga, é conhecido como “Presídio dos Famosos”, por abrigar detentos condenados por crimes que se tornaram “sucesso” na mídia, além da maioria de seus autores pertencer à classe média ou média alta.

Entre eles, estão Elize Matsunaga, que matou e retalhou o corpo do marido dono de uma grande empresa de alimentos; o ex-médico Roger Abdelmassih, que cometeu inúmeros estupros contra clientes da sua então respeitada clínica de reprodução humana assistida; e o casal Nardoni, que matou friamente a filha do primeiro casamento do marido atirando-a do prédio de apartamentos onde morava.

Nessas condições, o cumprimento da pena ganha certas garantias, pois o acompanhamento da imprensa é constante e qualquer descuido das autoridades com seus presos famosos vai parar imediatamente nas tevês, sites, emissoras de rádio, jornais e revistas. Do mesmo modo, são presos com acompanhamento de bons advogados, muitos deles movidos pelo interesse de aparecer na mesma mídia, além de terem tido boa educação e cuidados de saúde durante a vida anterior à cadeia. Por esses e outros motivos, são muito melhor tratados pela Justiça e pela administração dos presídios do que os chamados presos comuns.

Beneficiada com o regime aberto, Suzane passou a viver, desde o início do ano passado, na pequena cidade de Angatuba, também em São Paulo. Hoje, vive com o pai da primeira filha em Bragança Paulista. Apesar de ter sido diagnostica como psicopata, ou, mais especificamente, com Transtorno de Personalidade Antissocial, ou TPAS, seu problema não é considerado uma doença, mas uma anomalia no desenvolvimento psicológico do indivíduo.

Além da vida aparentemente normal que leva atualmente, Suzane continua atraindo a atenção do grande público. Tanto que foi tema de nada menos que três filmes sobre o crime, o primeiro deles intitulado “A Menina que Matou os Pais”. Menos mal que, segundo garantiu o roteirista das três histórias, Raphael Montes, Suzane não tenha recebido nada pelos filmes e nem mesmo sido consultada sobre os fatos ocorridos.

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Chega de falar da Suzane. Está, repito, aparentemente levando vida normal. E que assim continue, já que, segundo a Justiça, ela fez por merecer a prisão em regime aberto. Voltemos ao Andreas, que viu seus pais mortos aos 15 anos e bem que tentou, depois disso, levar uma vida normal, mas não tem conseguido isto e sabe-se lá se o seu sofrimento chegou ao topo ou se ainda haverá novas provas no seu destino.

O balanço desse crime que mexeu com o Brasil em 2002 e continua despertando curiosidade, é mais ou menos o seguinte: Manfred e Marísia, segundo o que ensinam as principais religiões, descansam em paz; Suzane, conforme preceitua o Código Penal, paga as últimas parcelas do seu crime vivendo em liberdade, casada e cuidando de uma criança; os irmãos Cravinhos tiveram caminhos diferentes, um também beneficiado com progressão da pena e, o outro, ainda preso porque reincidiu cometendo outro delito.

O que restou para Andreas, a terceira vítima? A solidão, a depressão, a falta de condições emocionais para levar uma vida normal. Vive hoje recluso em um sítio na cidade interiorana de São Roque, onde não costuma receber ninguém e não possui telefone. Talvez seja, 22 anos depois, a grande vítima do crime, a vítima que ainda sofre.

E olhe só como o destino pode ser cruel. Caso algo aconteça com Andreas, quem pode ficar com o que sobrar dos seus bens é a irmã Suzane, considerada herdeira natural do irmão. Isto mesmo, a assassina pode ficar com tudo.

Reaja, Andreas. Reaja.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.

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