Há poucos dias, li uma reportagem falando de um menino bom, que se transformou em um jovem educado, estudioso e muito inteligente. Concluiu os cursos superiores de farmácia e bioquímica na USP, a badalada Universidade de São Paulo, engrenou um doutorado, também em química, na mesma universidade e, quando tinha tudo para colher o resultado da sua dedicação, sucumbiu à depressão, ao uso de drogas e, nos dias de hoje, a uma total incapacidade de gerir a sua vida.
Este jovem, que hoje está com 36 anos, chama-se Andreas von Richthofen, que tinha 15 anos de idade em 2002, quando sua irmã Suzane, auxiliada pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, matou seus pais, o casal Manfred e Marísia von Richthofen.
Andreas bem que tentou, mas parece que não consegue carregar o peso da tragédia que se abateu sobre ele. Ele é, sem dúvida, a terceira vítima do crime brutal da irmã. O rapaz educado, estudioso e inteligente cedeu espaço para um adulto problemático e solitário. Daí o portal de notícias UOL voltar a falar dele, desta vez para revelar que contraiu dívidas, principalmente com o não pagamento de impostos, e correria risco de perder parte da herança que recebeu dos pais. Curioso? Clique [aqui] e leia a reportagem.
Depois de ler o texto, vi um certo exagero no risco de Andreas ficar com dificuldade de sobrevivência, uma vez que o valor dos bens herdados foi estimado em torno de R$ 10 milhões. Como as dívidas relatadas são de IPTU e outros valores não tão altos, penso ser difícil que ele fique pobre.
Mas o que me deixou triste –e me levou a escrever este texto– não tem nada a ver com dinheiro. Quero falar da injustiça que o destino cometeu com Andreas e, ao mesmo tempo, da injustiça que premiou Suzane –e que tem premiado tantos autores de crimes bárbaros ultimamente.
Veja só. Suzane é a autora intelectual da morte dos pais, ocorrida em 2002. Depois de julgada, começa a cumprir pena de 39 anos e seis meses no complexo penitenciário de Tremembé, cidadezinha aqui na RMVale, colada em Taubaté. O lugar, é bom que se diga, é conhecido como “Presídio dos Famosos”, por abrigar detentos condenados por crimes que se tornaram “sucesso” na mídia, além da maioria de seus autores pertencer à classe média ou média alta.
Entre eles, estão Elize Matsunaga, que matou e retalhou o corpo do marido dono de uma grande empresa de alimentos; o ex-médico Roger Abdelmassih, que cometeu inúmeros estupros contra clientes da sua então respeitada clínica de reprodução humana assistida; e o casal Nardoni, que matou friamente a filha do primeiro casamento do marido atirando-a do prédio de apartamentos onde morava.
Nessas condições, o cumprimento da pena ganha certas garantias, pois o acompanhamento da imprensa é constante e qualquer descuido das autoridades com seus presos famosos vai parar imediatamente nas tevês, sites, emissoras de rádio, jornais e revistas. Do mesmo modo, são presos com acompanhamento de bons advogados, muitos deles movidos pelo interesse de aparecer na mesma mídia, além de terem tido boa educação e cuidados de saúde durante a vida anterior à cadeia. Por esses e outros motivos, são muito melhor tratados pela Justiça e pela administração dos presídios do que os chamados presos comuns.
Beneficiada com o regime aberto, Suzane passou a viver, desde o início do ano passado, na pequena cidade de Angatuba, também em São Paulo. Hoje, vive com o pai da primeira filha em Bragança Paulista. Apesar de ter sido diagnostica como psicopata, ou, mais especificamente, com Transtorno de Personalidade Antissocial, ou TPAS, seu problema não é considerado uma doença, mas uma anomalia no desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Além da vida aparentemente normal que leva atualmente, Suzane continua atraindo a atenção do grande público. Tanto que foi tema de nada menos que três filmes sobre o crime, o primeiro deles intitulado “A Menina que Matou os Pais”. Menos mal que, segundo garantiu o roteirista das três histórias, Raphael Montes, Suzane não tenha recebido nada pelos filmes e nem mesmo sido consultada sobre os fatos ocorridos.
Chega de falar da Suzane. Está, repito, aparentemente levando vida normal. E que assim continue, já que, segundo a Justiça, ela fez por merecer a prisão em regime aberto. Voltemos ao Andreas, que viu seus pais mortos aos 15 anos e bem que tentou, depois disso, levar uma vida normal, mas não tem conseguido isto e sabe-se lá se o seu sofrimento chegou ao topo ou se ainda haverá novas provas no seu destino.
O balanço desse crime que mexeu com o Brasil em 2002 e continua despertando curiosidade, é mais ou menos o seguinte: Manfred e Marísia, segundo o que ensinam as principais religiões, descansam em paz; Suzane, conforme preceitua o Código Penal, paga as últimas parcelas do seu crime vivendo em liberdade, casada e cuidando de uma criança; os irmãos Cravinhos tiveram caminhos diferentes, um também beneficiado com progressão da pena e, o outro, ainda preso porque reincidiu cometendo outro delito.
O que restou para Andreas, a terceira vítima? A solidão, a depressão, a falta de condições emocionais para levar uma vida normal. Vive hoje recluso em um sítio na cidade interiorana de São Roque, onde não costuma receber ninguém e não possui telefone. Talvez seja, 22 anos depois, a grande vítima do crime, a vítima que ainda sofre.
E olhe só como o destino pode ser cruel. Caso algo aconteça com Andreas, quem pode ficar com o que sobrar dos seus bens é a irmã Suzane, considerada herdeira natural do irmão. Isto mesmo, a assassina pode ficar com tudo.
Reaja, Andreas. Reaja.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.