Foto / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

A gente costuma ler as notícias, mas raramente para depois de cada frase para fazer uma análise. Por isso é tão difícil descobrir incoerências, exageros e mentiras no que a gente lê. Um dos assuntos que têm chamado a minha atenção é o julgamento pelo STF, o nosso Supremo Tribunal Federal, dos acusados de participar da tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro do ano passado.

Tenho convicção de que, naquele dia, as milhares de pessoas envolvidas, fosse lá em Brasília ou até no sofá da sala de casa no Brasil inteiro, queriam derrubar o governo Lula, que estava nos seus primeiros dias. Será que alguém achava que aquilo seria apenas uma baderna? Não mesmo.

As prisões foram corretas, os julgamentos são necessários, mas tem uma coisa que me incomoda: a chamada dosimetria das penas. Essa palavra, que eu nunca tinha ouvido antes, passou a conviver no meu dia a dia a partir dos processos da Operação Lava Jato, que distribuía anos e anos de cadeia para figurões da política e da economia do país, a começar pelo então ex-presidente Lula.

Quando chegaram os julgamentos dos golpistas do 8 de Janeiro, a palavra dosimetria voltou à moda. Afinal, o que significa dosimetria? Recorri ao Google e ele me respondeu: “Se o juiz, após ouvir as partes, entender que o crime foi cometido, precisará individualizar a pena, pois cada pessoa que participa de uma violação tem suas características específicas. A dosimetria consiste em fazer a dosagem da pena adequada ao infrator e à sua participação no delito”.

Até aí, tudo bem. Mas confesso que a maioria das penas aplicadas pela nossa Suprema Corte me assustou. Gente que claramente foi usada e abusada em sua ignorância política recebeu, em média, 14 anos de detenção. Não dá para negar que são penas extremamente rigorosas.

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No início deste mês, a imprensa publicou o caso da pedagoga Joanita de Almeida, de Juiz de Fora (MG), que foi condenada a 16 anos e 6 meses por participação nos atos golpistas e teve o pedido de prisão domiciliar negado, mesmo depois de um diagnóstico de “transtorno misto ansioso e depressivo, ansiedade, epilepsia e transtorno afetivo bipolar, segundo a defesa”, conforme publicou o portal UOL.

Como diz o texto, a defesa está cuidando dos interesses da pedagoga. Mas, novamente, me chama a atenção a pena de 16 anos e seis meses aplicada contra ela. Já imaginou que muitos homicidas recebem penas menores? Para se ter uma ideia, o Código Penal prevê 6 a 20 anos de prisão para o crime de homicídio simples. No caso de homicídio qualificado, a pena sobe para 12 a 30 anos. Contudo, se o agente que comete o crime se enquadra na categoria de réu primário, o juiz poderá reduzir a pena de um sexto a um terço.

Joanita foi presa em flagrante em janeiro de 2023, mas “em agosto teve a prisão convertida em domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica. No processo, ela responde pelos crimes de golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado, associação criminosa armada, entre outros”, diz ainda o UOL.

Mas agora o ministro Alexandre de Moraes negou a continuidade da prisão domiciliar e determinou, no último dia 1º, que o Juízo da Execução da Comarca de Juiz de Fora (MG) faça um exame para verificar a sanidade mental da mulher em 48 horas.

Volto a pensar naquela palavra, dosimetria. Penso que, se uma participante da manifestação recebe 16 anos e seis meses de pena, o quanto não deveriam receber os cabeças da tentativa de golpe? Seriam 50, 70, 100 anos?

Claro que é um exagero, mesmo sabendo que pena de prisão e tempo de cadeia são coisas diferentes, até porque ninguém pode cumprir mais de 30 anos no país. Mas, repito, você acha justo uma pena tão alta para muitos que provavelmente nem tinham ideia da gravidade do ato que estavam cometendo?

Para finalizar, fica aqui o meu palpite, coisa de leigo, mas com boa intenção. Esse pessoal que não tem antecedentes, não pertence a organizações criminosas e, em sua maioria, foi movido por incendiários que pregaram o golpe, não merece mais do que dois anos atrás das grades.

Mas os políticos irresponsáveis que atuaram como mandantes, os planejadores, os financiadores, estes mereceriam penas na faixa dos 30 anos para ficarem pelo menos cinco vendo o sol nascer quadrado. Até porque nós sabemos que os seguidores estão sendo condenados rapidamente, mas para os cabeças a impunidade parece estar garantida.

Que fique bem claro: aqui não se está falando em anistia, isso é outra história, mas de dosimetria da pena. Cadeia com critério aparentemente político –ou “educativo”–, e só para alguns, é “dose pra leão”.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.