Apostas esportivas estão comprometendo as despesas das classes D e E. Foto / Joédson Alves/Agência Brasil

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Apostas nas bets desviam gastos destinados a outros setores; estudo conclui que a prática pode levar a um aumento no endividamento da população de baixa renda 

 

DA REDAÇÃO*

O gasto com apostas esportivas em plataformas online, as bets, está impactando o consumo de mercadorias e serviços no país, sobretudo das classes de menor poder aquisitivo. Isto afeta a percepção da melhoria da economia brasileira, como o aumento da renda, do crescimento da ocupação e o controle inflacionário.

A avaliação é da empresa PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda, ligada à multinacional de auditoria e assessoria PricewaterhouseCoopers. De acordo com o economista e advogado Gerson Charchat, sócio e líder da Strategy& do Brasil, os gastos com apostas esportivas “já superam outros tipos de despesas discricionárias, como lazer, cultura e produtos pessoais, e até estão começando a impactar o orçamento destinado à alimentação”.

Charchat observou que “esse desvio de recursos para as apostas exerce uma pressão considerável sobre a demanda por produtos essenciais, afetando a dinâmica da economia de forma geral”.

As apostas esportivas em plataformas explodiram no Brasil após a Lei nº 13.756 ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Michel Temer no final de 2018. Daquele ano até 2023, os gastos com apostas aumentaram 419%.

“Em 2018, as apostas representavam 0,27% do orçamento familiar das classes D e E; hoje, esse percentual saltou para 1,98%, quase quatro vezes mais do que há cinco anos. Por outro lado, os gastos com lazer e cultura diminuíram de 1,7% para 1,5% do orçamento, enquanto os gastos com alimentação se mantiveram estáveis”, revelou Charchat em entrevista para a Agência Brasil.

Ele alertou que as apostas esportivas cresceram de forma expressiva e se tornaram uma fonte de gastos significativa, especialmente entre os jovens dos estratos sociais de menor poder aquisitivo. “O fenômeno pode gerar, inclusive, um aumento no endividamento entre a população de baixa renda, o que pode trazer impactos negativos para o crescimento econômico do país”, disse

A análise da Strategy& do Brasil, baseada em dados secundários, assinala que a percepção da população de dificuldades financeiras cresceu cinco pontos percentuais entre 2022 e 2024. Hoje, um quinto dos brasileiros dizem enfrentar dificuldades para pagar suas contas todos os meses, ou não conseguem pagá-las na maioria das vezes.

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Renda comprometida

Não há informação precisa sobre o número de empresas que administram plataformas no Brasil e nem o volume de dinheiro arrecadado no negócio. Esses números só serão conhecidos após as bets obterem autorização do Ministério da Fazenda para exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa e começarem a pagar tributos.

Os impactos e efeitos sobre a economia já haviam sido apontados pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Segundo pesquisa de opinião feita para a entidade em maio, entre os que apostam, 64% reconhecem que utilizam parte da renda principal para tentar a sorte; 63% afirmam que tiveram parte da sua renda comprometida com as apostas online; e 23% deixaram de comprar roupa, 19% itens de mercado, 14% produtos de higiene e beleza, 11% cuidados com saúde e medicações.

Para a economista Ione Amorim, consultora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), “o problema escalou” e, além da dimensão econômica, há erros não estimados na regulamentação, efeitos sociais e na saúde mental da população.

“Hoje a gente já tem uma realidade de suicídio, de destruição de lares, de endividamento, de pessoas que já perderam o emprego porque já envolveram tudo que tinham. De doenças mentais extremamente graves por conta dessas dependências, que levam a outra, quer dizer, a pessoa se endividou e se perdeu, vai do jogo para o álcool, do álcool para as drogas e para o suicídio”, descreve Ione Amorim, que já deu palestras sobre os impactos das apostas online até nas Forças Armadas.

Na avaliação da economista, a situação social e a desinformação tornam o público mais pobre mais vulnerável a correr riscos em apostas. Para ela, a situação socioeconômica de algumas famílias leva ao endividamento para garantir a sobrevivência, e as apostas se tornam um risco atrativo para, ocasionalmente, obter recursos e quitar compromissos.

Mas, segundo Ione é preciso estar atento: “o ganho fácil vai levar a pessoa a um ambiente em que pode haver perdas significativas”, ressalta a economista, assinalando que as apostas são intermediadas por sistemas com algoritmos. “A pessoa está jogando contra uma máquina que foi programada, então ela vai ganhar eventualmente, mas vai perder muito mais do que vai ganhar”, afirma.

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Cassinos

Ione Amorim acrescenta que os efeitos econômicos, sociais e de saúde mental provocados pelas plataformas eletrônicas de apostas esportivas em plataformas online podem ser potencializados com a aprovação do projeto de lei nº 2234/2022, em tramitação no Senado, que autoriza a exploração, em todo o território nacional, de cassinos, bingos, jogo do bicho e aposta em corridas de cavalo.

A aprovação do projeto, assim como da lei que autorizou as apostas nas bets, é defendida pela possibilidade de que os negócios gerem emprego, renda e tributos que podem custear políticas sociais. No caso das plataformas eletrônicas, em funcionamento há cinco anos, nenhum real foi arrecadado.

O recolhimento começará após autorização para exploração comercial pelo Ministério da Fazenda. A outorga será concedida, depois de avaliação técnica e legal, mediante o pagamento de R$ 30 milhões à União. O prazo para obter a permissão é até o final do ano.

A contabilidade de arrecadação de quem defende a legalização dos jogos não deduz as perdas da tributação que estão ocorrendo em outros setores em meio ao crescimento de gastos com apostas e também não dimensiona o aumento de despesas do Estado com segurança pública e com atendimento à saúde mental.

 

*Com informações da Agência Brasil.