– Clemente, eu não quero mais ouvir a sua voz −esbravejou irritado o juiz ao policial militar em trabalho no fórum, cansado da interminável fala em alto volume do bonachão servidor.
Ao que este respondeu, malcriado:
− O senhor então contrate o Agostinho dos Santos! −famoso cantor da época.
Foi punido de pronto pelo magistrado, que não se importou com o fato do policial ser excelente trompetista nas horas de folga:
− Trinta dias de cadeia!
Corria o ano de 1964, o Fórum em São José dos Campos, de 1941, era na Praça Afonso Pena, depois coletoria. O juiz, o simpático Eduardo de Campos Maia Neto, a quem papai conhecera nos tempos de moços, nas Perdizes, São Paulo. Não se admitia tamanha insubordinação.
Antes deles, em tempos pós-guerra, haviam sido juízes na comarca Luiz Gonzaga Parahyba Campos (o filho também, por volta de 1983), Ricardo Couto (cujo filho é médico na cidade) e, mais antigo ainda, Pedro Barbosa Pereira, de Taubaté, que advogara aqui em 1932. Foi companheiro de sinuca de Nelson D´Ávila e Sebastião Henrique da Cunha Pontes, a quem incentivou a voltar aos estudos na Faculdade do Largo de São Francisco. O depois desembargador Pedro Barbosa ingressou na magistratura em 1934, tirando o primeiro lugar, nomeado em terceiro após lista, mas foi longevo e feliz na carreira. Foi um dos fundadores da Apamagis e presidente do Tribunal Regional Eleitoral.
Voltou doente do pulmão para São José em 1940, então juiz, tendo sido internado no Sanatório Vicentina Aranha e submetido a operação, ficando sem um dos pulmões. Para sarar, chegou a fazer promessa a São Benedito de que, aposentado, moraria em São José e seria enterrado na cidade de Taubaté, onde o santo é padroeiro, desde que ficasse vivo até os cinquenta anos. Segundo o magistrado, parece que o santo deveria ser meio surdo porque fez com que vivesse mais cinquenta anos, ao invés de vida até os cinquenta. Faleceu com noventa e oito anos, ainda advogando e ajudando pessoas, teve uma vida de grande mérito.
Esse bom juiz ficou internado até sarar e de lá do Vicentina exercia suas funções –acreditem–, os processos lhe eram encaminhados, ali despachava e sentenciava a mão. O mais inacreditável é que assim o fazia quase morrendo, porque na época não havia licença de saúde: se não trabalhasse, não recebia.
Em 1964 o único juiz era o Campos Maia, diretor da Faculdade de Direito, depois presidente do Tênis Clube. Naquela época veio para uma segunda vara o muito conceituado juiz Fernando Gentil de Almeida Pedroso, cujo filho Alberto é hoje desembargador do Tribunal de Justiça; o outro, Fernando, foi promotor de justiça. Seguido do não menos brilhante Geraldo Carlos de Almeida Camargo, cujo filho igualmente é desembargador: Theodureto de Almeida Camargo Neto.
Após, começou outro ciclo, com a vinda do prestigiado juiz Fernando Febeliano da Costa Neto, o filho foi meu cartorário e agora eficiente juiz de direito titular de vara cível na comarca: Heitor Febeliano dos Santos Costa. Logo em seguida, o insigne Sílvio Marques Neto, criativo magistrado, que criou a Apac, boa iniciativa de proteção e reintegração dos encarcerados, juntamente com o advogado Mário Ottoboni. Encerrando este último ciclo, já em 1974, com o fórum da Rua Paulo Setúbal e Avenida Francisco José Longo, o notável juiz Hermenegildo de Souza Rego.
Com a inauguração desse fórum −que agora abriga cartórios eleitorais, sessões de conciliações e o Procon, havendo um novo bem instalado no Jardim Aquarius −encontrei uma série de juízes novos, já advogado e procurador municipal. Lá mesmo judiquei por muitos anos, após concurso, como titular da primeira vara cível, além do tempo de juiz substituto, ainda no século passado.
Conta-se que, logo após a inauguração desse fórum do Jardim São Dimas, aconteceu algo escabroso, não sei se verdadeiro. Dizem que um antigo zelador, que havia morado num puxadinho do fórum da Praça Afonso Pena, sentindo-se no direito de morar em um dos dois apartamentos destinados a juízes substitutos, transitórios na comarca, de vingança teria lançado um cachorro morto na caixa d´água, provocando rebuliço e indignação em todos.
Não acredito nessa maldade, até porque não deu em nada, ficou por isso mesmo!
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.
*Republicação. Crônica publicada originalmente no SuperBairro no dia 17 de agosto de 2022.