Esse negócio de economia deveria ser coisa só para economistas. Mas o que se pode fazer se tudo o que acontece na economia mexe diretamente com o nosso bolso? Então o cidadão tem todo o direito de dar seus palpites, pitacos, opiniões, dicas.
O assunto da moda é uma mudança na carga de trabalho do brasileiro, que hoje é, segundo a CLT, sigla para Consolidação das Leis do Trabalho, de 6 dias de trampo para 1 dia de descanso. Daí o 6×1 (leia-se seis por um) que está povoando os noticiários e chegando às discussões de boteco.
Em primeiro lugar, vamos aos argumentos da deputada federal Erika Hilton, do PSOL de São Paulo, autora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa mudar essa relação de dias trabalhados e dias de folga.
Basicamente, a proposta da deputada reduz a carga semanal das atuais 44 horas para 36 horas de trabalho, o que cairia em uma escala do tipo 4×3, com quatro dias trabalhados e três de folga. E que fique bem claro: sem mexer em um centavo do salário.
Erika tem outros argumentos para defender essa mudança: “Isso [o regime atual] tira do trabalhador o direito de passar tempo com sua família, de cuidar de si, de se divertir, de procurar outro emprego ou até mesmo se qualificar para um emprego melhor. A escala 6×1 é uma prisão, e é incompatível com a dignidade do trabalhador”, argumenta em postagem no tal do X.
Até aí, tudo beleza. Quem é que poderia ser contrário a que o trabalhador brasileiro fique mais tempo em casa com a família, tenha mais saúde, tenha tempo para o lazer e, importantíssimo, sem redução da sua renda?
Porém –e sempre existe um porém–, quando se pensa o que essa mudança pode representar na prática, a euforia de beneficiar o trabalhador vai se esvaziando pouco a pouco.
Primeiro, pelo impacto que isto traria para a economia. Não é preciso ser um gênio da economia para saber que o empregador que terá o seu empregado oito horas a menos por semana, ou 32 horas por mês, sem redução de salário, vai ter menos produção e, consequentemente, um custo maior.
Se a gente acreditar em historinhas para boi dormir, podemos pensar que esse patrão vai compreender o direito do seu empregado e arcar com o prejuízo. Ou, se a gente pensar na vida como ela é, vai concluir que ele vai repassar esse custo a mais para o preço dos seus produtos tentando não ter prejuízo ou, o que também é um direito, manter suas margens de lucro.
Ainda na linha da história para boi dormir: há quem diga que o trabalhador vai ficar tão satisfeito que produzirá mais em menor tempo. Jura que você acredita nisso? E tem mais. Essa escala de 4×3 teria um impacto tão grande na produção das empresas que elas não veriam outra saída que não fosse a contratação de novos empregados. A pergunta que fica é: os salários desses novos empregados seriam mais altos ou mais baixos que os dos empregados atuais? Mais baixos, é claro.
Além disso, há uma outra balela ao pensarmos que esse maior tempo de folga seria preenchido com cursos de qualificação, tempo com as crianças, idas ao cinema etc. etc. Pode parecer crueldade com o brasileiro médio, mas eu diria que a maioria terá ocupações mais prosaicas e menos nobres. Mas até aí é problema de cada um.
Além de tudo isto, o mais grave e mais provável que iria acontecer com a escala 4×3 seria o trabalhador buscar imediatamente um segundo emprego, provavelmente sem carteira assinada, ou ter uma experiência como microempresário.
Ou seja, o lazer, a saúde, os motivos nobres da PEC, iriam para o beleléu. E no meio do caminho até o beleléu, desorganizariam o mercado de trabalho, que está em uma ótima fase, com desemprego em baixa e no nível civilizado de 6,4%, o menor para o período da série histórica iniciada em 2012.
Até agora estou falando em uma nova realidade na vida de patrões e empregados. Mas é preciso ir além, até chegar nos reflexos dessas mudanças para a economia brasileira. Também não é necessária nenhuma genialidade para perceber que aumento de custos sem aumento de produtividade gera preços maiores. E preços maiores geram a alta da temida inflação.
Nesse caso, o aumento da taxa de inflação teria o efeito perverso de anular todo e qualquer ganho do trabalhador, que passaria a pagar mais caro pelos produtos e serviços necessários à sobrevivência.
Pegou a visão? Uma mudança brusca, de 6×1 para 4×3, teria, no meu modo de ver, o efeito negativo de desarrumar a economia brasileira e a própria vida do trabalhador do país. É muita velocidade para se atingir um objetivo que deve ser perseguido, mas não tão bruscamente.
Neste país tão dividido entre quem se acha de direita e de esquerda –muitos são apenas confusos ou revoltados–, o debate deste tema ganhou rapidamente o viés ideológico, com a esquerda defendendo radicalmente o fim da jornada 6×1 e a direita, em uma sinuca de bico, meio em cima do muro para não ficar mal com o trabalhador, pronta para evitar qualquer mudança.
Eu, junto com muita gente que tem sido enxovalhada como “neutra” ou “sem opinião”, como são chamadas as posturas do centro democrático, proponho uma tentativa de solução ao estilo de Jack, o Estripador – “vamos por partes” e pergunto: por que não a escala 5×2 com 40 horas semanais? Seriam quatro a menos por semana e 16 a menos por mês.
Vantagens:
– Daria um fôlego maior ao trabalhador, porém sem deixá-lo de uma hora para outra com três dias de folga na semana e os mesmo hábitos de vida;
– Não deixaria o trabalhador com a porta tão aberta para um segundo emprego, que além de retirar todos os benefícios pretendidos para a sua saúde e lazer, colocaria no mercado milhões de “novos” candidatos a emprego, desarrumando toda a economia, além de achatar os salários no mercado.
– Não obrigaria o patrão a ter que contratar praticamente uma nova equipe de empregados, podendo ajustar melhor a sua produção com menor impacto nos custos;
– Daria tempo à economia, a patrões e a empregados, de se ajustarem a uma nova dinâmica nas relações de trabalho, podendo a partir daí evoluir para novos modelos, como o que se baseia mais na compra de horas de trabalho e negociação direta entre patrão e empregado. Mantendo regras básicas de proteção do trabalhador, é claro.
E tem mais: é preciso lembrar que modelos como o 4×3 são usados atualmente por países que já resolveram seus principais problemas de organização da sociedade, a maioria deles adotando o “estado de bem-estar social” típico dos superdesenvolvidos. Nem é preciso lembrar que o Brasil está muito longe desse patamar.
É isso. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Não vale a pena ideologizar também esse assunto, não acha?
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.