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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Não fale dessa mulher perto de mim! Respeite ao menos meus cabelos brancos! Nunca, nem que o mundo caia sobre mim, nem se Deus mandar, nem mesmo assim, as pazes com ela eu farei.

É a mulher rejeitada, seja por ciúmes, seja por traição, tudo misturado com machismo.

Mas você sabe o que é ter um amor, meu senhor, ter loucura por uma mulher? E depois encontrar esse amor, meu senhor, nos braços de um outro qualquer?

É o triângulo amoroso, tema comum na música dor de cotovelo do cancioneiro popular. O adultério feminino, do qual só pode haver uma vingança apropriada, pois a vergonha é a herança maior que meu pai me deixou. Você há de rolar como rolam as pedras do caminho, sem ter nunca um cantinho de seu para poder descansar!

No entanto, algumas vezes estamos do outro lado desse drama. E essa infiel talvez possa ser encontrada no meu chatô, à beira de um regato, num bosque em flor. De dia me lava a roupa, de noite me beija a boca, e assim vamos vivendo de amor. Machismo e cara de pau!

Retratadas na MPB como inferiores foram as mulheres durante décadas, seja pelo fato de serem mulheres, seja porque muitas vezes não eram brancas. Embora houvesse casos éticos.

Repreendida duramente foi a Maria Candelária, alta funcionária. Fruto de apadrinhamento, pulou de paraquedas e caiu na letra ó. Mas veja por que é destratada: à uma vai ao dentista, às duas vai ao café, às três vai ao oculista, às quatro bate o ponto e dá no pé. Que vigarista que ela é!

Tem a Maria Sapatão, o contraponto do Zezé da cabeleira, discriminação de gênero hoje inadmissível.

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Na área racial, comum era o estereótipo da negra ou mulata, objeto de paixão ou deboche. Lamentavelmente, cantávamos: nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia? Todos nós já dissemos a essa infeliz: o teu cabelo não nega, mulata, pois és mulata na cor; mas como a cor não pega, mulata, mulata quero o teu amor. Infeliz e brava era a mulata que descia o morro, lá do Salgueiro, no tintureiro: era do barulho! Veja só: a pele morena era tida como a cor do pecado.

Melhorou um pouco com a mulata bossa nova, que apenas caiu no hully gully. Mais ainda com a Maria Ninguém. Em que pese o apelido, tinha um dom que muito homem não tem.

Acolhíveis atualmente são as músicas populares que exaltam mulher, não a desabonam. Ainda que sem o exagero da Amélia, a mulher de verdade de Ataulfo. Mas precisa passar fome ao meu lado e achar bonito não ter o que comer?

Fiquemos apenas com as musas cantadas ao longo do tempo. Basta aqui citar a romântica Carolina, dos olhos tristes, a Januária, na janela, de uma casa num bosque cujo muro alto proibia. Ou a Luiza do mestre Jobim, entre tantas.

Mas nada de sapatões, adúlteras e principalmente negras e mulatas. Aliás, neste último ponto, fico com o Braguinha: morenas, loirinhas, todas elas são rainhas de igual valor.

 

José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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