Tarcísio: comandando o "bonde" do autoritarismo em São Paulo. Foto / Edson Leite/Ministério da Infraestrutura

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Cresci, nas décadas de 1960 e 70, aprendendo que polícia era uma gente na qual não dava para confiar integralmente. Partimos de uma polícia mais comunitária, no início dos anos 60, para uma polícia militarizada nos anos 70 em razão dos problemas causados pela luta armada que buscava combater os ocupantes do poder após o golpe militar e civil de 1964.

Ainda criança, tenho vagas lembranças da Guarda Civil, que era um policiamento desarmado para garantir a paz nas comunidades. Se as ocorrências que eles atendiam passassem dos limites, acionavam a Força Pública, que depois seria transformada em Polícia Militar.

Com o recrudescimento do combate ao terrorismo, a segurança pública transformou-se em uma espécie de Exército interno para fazer frente a uma guerra também interna, uma espécie de guerra civil, apesar de as armas estarem quase todas nas mãos do Estado.

Daqueles tempos em diante, a segurança pública no Brasil passou por muitas mudanças, a maioria para pior. Lá em meados dos anos 60, nasceu e floresceu o fatídico Esquadrão da Morte. Eram policiais que faziam o papel da Justiça, julgando os criminosos e impondo a eles a pena de morte.

Jornais populares da época ficavam aguardando um telefonema dizendo onde poderiam encontrar os meliantes. Quase sempre, estavam em periferias muito ermas, crivados por dezenas de balas, com um cartaz sobre o peito tendo o desenho de uma caveira e anunciando que o cidadão era mais uma vítima do Esquadrão. Tratavam os mortos como “presuntos”.

Atravessamos os anos 70 e meados dos 80 tendo esta chaga criminosa travestida de política de segurança pública. Com a redemocratização, a partir da Constituição de 1988, as coisas começaram, muito lentamente, a voltar ao lugar certo. Imprensa livre, entidades de defesa dos direitos humanos, uma Justiça mais operante, tudo levou a uma evolução no conceito do que deveria ser o papel do Estado no combate à criminalidade.

Foi um período em que matadores assumidos, como o cabo Bruno, e outros justiceiros, passaram a ser vistos pelos governos como um estorvo no rumo de uma sociedade mais democrática. A maioria encontrou seu cancelamento em assassinatos porcamente esclarecidos. O objetivo, agora, era limpar a área desse pessoal que foi usado pelo regime militar para atingir seus objetivos –que não foram atingidos–, mas que depois se tornaram um incômodo no Brasil novo que estava surgindo.

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Ajustando o foco ao estado de São Paulo, onde as transformações na sociedade parecem chegar antes do restante do Brasil, a segurança pública começou a viver momentos muito positivos, apesar de uma sempre presente incompatibilidade de alguns setores com o que deve ser uma polícia moderna e democrática.

A partir, principalmente, dos vários governos do então tucano Geraldo Alckmin, as polícias paulistas passaram a obter resultados positivos crescentes, com redução dos mais variados tipos de crime, além de uma redução na letalidade dessas polícias. Ou seja, São Paulo matava menos e, ao mesmo tempo, via os crimes no estado em declínio. Alguns indicadores chegaram a se aproximar dos registrados em países ricos e desenvolvidos da Europa.

Tudo muito bom, tudo muito bem. Mas chegamos ao governo Tarcísio de Freitas, um militar carioca que surgiu na vida pública como ministro “fazedor de obras” do notório presidente Jair Bolsonaro. Foi usado pela máquina bolsonarista como um desenvolvimentista radical, um cara que poderia rasgar uma estrada no sertão da noite para o dia.

Com esse cartaz todo, o homem se elegeu governador de São Paulo. No início da sua gestão, deixou uma marca positiva de administrador moderno e legalista. Chegou mesmo a flertar com um espaço em uma escala mais próxima do centro democrático. Porém, quando fez este gesto, tomou tanta porrada dos bolsonaristas radicais que teve de voltar para o seu lugar, no colo do “capitão”.

De lá para cá, Tarcísio parece ser obrigado a lançar sinais cada vez mais frequentes para essa direita radical porque, se não agir assim, pode ver frustrado o seu projeto de ser candidato a presidente da República em 2026.

Dito isto, como fica o povo paulista? Não só os paulistas cumpridores da lei, mas também aqueles que, nascidos em São Paulo ou em outros estados e países, tornando-se criminosos, devem ser punidos pelo poder de polícia do chamado Estado democrático de Direito, e não ser executados por um Esquadrão da Morte informal. Como fica a sociedade paulista diante de uma polícia que parece fazer propaganda de um Estado totalitário?

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Nas últimas semanas, temos visto os mais diferentes excessos cometidos por policiais. Gente inocente tem sido vítima de agentes despreparados e, principalmente, desequilibrados emocionalmente. O pior é que governos estaduais e municipais estão colocando na política ex-comandantes de polícias civis e militares como se eles fossem a “salvação da pátria”.

Depois que São Paulo passou a ter um ex-capitão da Rota –a eficiente, porém matadora guarnição de policiamento ostensivo–, o desinibido Guilherme Derrite, o número de vítimas em confrontos com a polícia explodiu.

Cidadãos menos informados costumam comemorar as mortes de delinquentes em confronto com a polícia. Nada mais equivocado. A Constituição Federal dá ao Estado o monopólio da violência para conter a criminalidade, mas não concede o direito de matar quando seus agentes ou cidadãos inocentes não estejam ameaçados de morte.

Ontem, depois de acumular na minha memória os últimos excessos da polícia paulista, fui obrigado a ver um policial militar de folga executar com oito tiros um cidadão que furtou em uma loja da Oxxo em São Paulo. O assaltante escorregou na porta de saída e, no chão, levou ou tais oito tiros. E o maluco do PM ainda disse que disparou a artilharia em legítima defesa.

Quase ao mesmo tempo, o portal UOL e a imprensa em geral publicaram imagens de um sujeito que começou a ser perseguido em Diadema, na Grande São Paulo, depois de fugir de uma equipe por estar com uma motocicleta sem placas –roubada, talvez? Alcançado já no município de São Paulo, o sujeito foi lançado a um rio do alto de uma ponte para aprender a não temer a PM como ela deve ser temida.

Depois dessas demonstrações de força excessiva e despropositada, comandantes policiais e, à sua frente, o próprio governador Tarcísio, dão as desculpas de sempre e renovam as promessas de sempre de que irão punir exemplarmente os que exageraram nas suas funções.

Mentira. Não farão isso. E por que não farão? Primeiro porque são autoritários e violentos de “nascença”. Segundo, porque sabem que cada vítima de excesso policial lhes rende alguns votos a mais junto à extrema direita que um certo capitão abasteceu de sonhos de grandeza e impunidade.

Governador Tarcísio, está na hora de chegar ao século 21. Pode ser ou está difícil?

 

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 49 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.