Victor Hugo
Ter mentido é ter sofrido. O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício.
A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga.
Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, pôr açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso.
O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpetuamente a impostura.
A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjoo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento.
Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima.
Há um eu desmedido no impostor. 0 verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se.
O traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel. É a mesquinhez capaz da enormidade. O hipócrita é um titã-anão.
Victor-Marie Hugo foi romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos com grande atuação política em seu país, a França. É autor de “Os Miseráveis” e “Notre-Dame de Paris”, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial. O texto acima foi extraído de seu romance “Os Trabalhadores do Mar”. Victor Hugo nasceu em Besançon em 26 de fevereiro de 1802 e morreu em Paris em 22 de maio de 1885. Fonte: Wikipédia
> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.