Foto / Vana Allas.

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Hoje eu saí de carro para me inspirar. Precisava escrever este texto, hoje. Teria que me superar, pois o de estreia, na semana passada, recebeu elogios de gente que eu admiro, tanto na escrita como na vida.

De carro, fui indo para a região central de São José, atravessei a avenida Engenheiro Francisco José Longo inteira e cheguei no Calçadão. Pensando: “Meu Deus, mostra-me algo de bom para eu aliviar o pensamento dos meus leitores neste tempo de pandemia!”.  Estacionei o carro… nada.

Entrei numa briga danada com meu pensamento e acabei concordando com o jornalista e escritor Pedro Bial, que diz: “Escrever dói”. Não adiantava, eu não estava feliz, estava apreensiva. As ruas com poucos carros, calçadas quase vazias, pessoas mascaradas e cabisbaixas. Eu fui só piorando…

No calçadão, abordei um moço que estava sentado ao lado de outros, na entrada de uma loja com porta entreaberta, e comecei um papo dizendo que queria trocar a pulseira do meu relógio; o que era verdade.

Aproveitei. Papo vai… papo vem… Ele começou a se abrir, disse que tem 24 anos e mora na zona leste. Um rapaz de olhos bonitos e cabelos pretos, com corte tipo tradicional. Jeito assustado, olhando para os lados, me explicou que estava com medo da polícia pegá-lo a vender. Eu investi na prosa. Pensei: “Quem sabe é agora que eu consigo a grande busca do dia! Escrever uma crônica leve e gostosa”.

Que nada… Ele, em algum momento, me disse: “É ruim ficar nesta situação porque eu me sinto errado em vender sendo que não é permitido”. Segurei as lágrimas, ele não tinha o material que eu queria comprar; segui em frente. Tirei umas fotos, mas as pessoas (vendedores disfarçados de não vendedores) ficaram preocupadas e um rapaz veio até mim perguntar se eu era da fiscalização municipal. Aí, veio a ansiedade. Porque eu, ainda por cima, também sofro disso.

Pensei: “Ah, vou embora e até amanhã um ‘eureca’ eu terei!”. Quase chegando de volta ao estacionamento, cruzei com um agente de limpeza da prefeitura. Um senhor negro de aparência calma, fazendo seu serviço na Praça do Sapo –Praça Dr. João Mendes. Eu já tinha tudo pronto na minha cabeça. Queria que ele me dissesse que estava contente, pois deveria estar com menor carga de trabalho. Supus: menos pessoas perambulando, menos sujeira.

Ele respondeu: ”O trabalho está um pouco menor, sim. Mas a tristeza de ver tanta gente sofrendo por esses lados em que trabalho me faz muito mal”. Pronto. Este texto já era.

Voltei para casa e não briguei mais comigo, com o texto e com ninguém. Pensei: “Deus, eu fiz a minha parte. Agora é contigo! O que eu vou escrever de alegre para esta gente que vai me prestigiar semana que vem?” Deixei as palavras descansarem e eu também dormi. Sem fechamento algum de texto. Sem um despertar inovador de alegria para espalhar.

Hoje acordei, passei o dia angustiada, louca para acabar com esta dor. E ainda, meu digníssimo editor, me escreve, pelo Whattsapp: “Colega, bom dia! Sem pressão (rss)… só lembrando…”.  Hoje é sexta-feira e o prazo final de entrega seria na segunda-feira. Mas eu não aguentava mais!

Entreguei novamente para Deus! Lembrei que na Bíblia, no livro Eclesiastes 3, diz que há tempo para todo propósito no céu. Este realmente não é o meu tempo de dar risada. Talvez seja o tempo de prantear. Fecho então uma dica: corre e procura este capítulo do espertíssimo rei Salomão, que tem conselhos sábios e o texto é bem mais poético e inspirador que o meu: crônica meia boca.

 

> Vana Allas é jornalista (MTb nº 26.615), licenciada em Letras (Língua Portuguesa) e pós-graduada em Filosofia da Comunicação. É autora do livro “Vale, Violões e Violas – Uma fotografia do Vale do Paraíba”. Mora na Vila Icaraí.