Imagine uma peça teatral, um drama pesado, eu diria pesadíssimo. Como em toda peça –exceto nos monólogos–, os personagens são variados e têm suas próprias motivações e seus argumentos para se expressarem no roteiro.
O drama que estamos “encenando” nestes dias é real, o palco é o nosso planeta e os personagens somos todos nós. O título para este drama da vida real fica a cargo de cada um. Ou pode ser simplesmente “A Pandemia”. A mim, vai caber apenas imaginar o que cada grupo representa e o que lhe cabe fazer neste roteiro triste e desafiador. Usando como cenário a nossa cidade, que é o nosso núcleo fundamental. Vamos ver o que dá…
Ciência
É de quem mais se espera. Pesquisas por vacinas cada vez mais eficazes, medicamentos adequados e formas de tratamento que levem à redução das complicações e, um dia, à cura da covid-19. Tem feito a sua parte, mas, sejamos francos, até agora não se sabe quase nada sobre a ação do novo coronavírus no organismo humano. Mas, oremos pela ciência.
Profissionais da saúde
Palmas e mais palmas para todos os médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, pessoal de apoio na triagem, limpeza, alimentação etc. etc. Merecerão, ao fim de tudo isto, um monumento em agradecimento. Estão fazendo tudo o que podem. Não… na verdade, estão fazendo muito mais do que podem.
Governos
Esse personagem pode ser dividido em três “papéis” bem diferentes uns dos outros. Começa pelo maioral, o governo federal, que tem a chave do cofre. Papel lamentável desde o início. Hoje, tenta se livrar de um julgamento, via CPI ou via voto em 2022, mas tem pouca chance de se sair bem. Afinal, não basta pagar, é preciso participar.
Em seguida, vem o governo estadual. O de São Paulo tem sido elogiável na gestão da crise no tocante ao fornecimento das vacinas que ninguém mais se lembrou de providenciar. Também tem sido responsável no fornecimento de meios para os municípios tentarem fazer “milagres” no enfrentamento da pandemia. Mas não tem conseguido ser convincente quando se trata de elaborar as políticas de distanciamento e isolamento, principalmente quanto ao funcionamento do comércio e serviços. Falta coerência.
Chegamos ao governo municipal. No caso específico de São José dos Campos, o trabalho tem sido irrepreensível. A sensação é a de que vivemos em uma espécie de oásis cercado de desertos –de recursos materiais e de ideias. Falha, no meu modo de ver, em uma questão que envolve um outro personagem, seu “parente”, que segue logo abaixo.
Indústria, comércio, serviços
Parece que não entende muito bem o seu papel neste drama. Falta maior firmeza em defender, seguir e cobrar de quem não segue todos os cuidados sanitários necessários durante a crise. Em um momento em que seus representados estão ameaçados de falência e desemprego, os dirigentes patronais e de trabalhadores poderiam cobrar mais dos governos. Também falta uma maior comunicação com os seus próprios associados para mostrar o caminho a ser seguido. Nunca os setores produtivos, principalmente as empresas de pequeno e médio porte, precisaram tanto da força política e da liderança das suas entidades representativas.
Comerciantes, empresários, profissionais
A maioria não percebe que o espaço físico onde funciona é seu, é de sua responsabilidade, de mais ninguém. Parece anestesiada. É capaz de permitir que um “cliente” desfile sem máscara pelos seus corredores, mesas e balcões, sem exigir que o cidadão saia imediatamente. Não percebe que, em caso de fiscalização chegando no local, o “cliente” vai sair tranquilamente e deixar o comerciante como único responsável pela quebra das regras de isolamento e distanciamento.
Fiscalização
Chegou a hora de entrar em cena o “parente” dos governos municipal e estadual. Não percebe a importância do seu papel. Ou tem medo de exercer esse papel. Deveria estar reforçadíssima neste momento para punir a todos aqueles que resolvam fazer as coisas do seu jeito. Não percebe que uma fiscalização do tipo “tolerância zero”, com rondas incessantes, presença física a mais ostensiva possível, autuações sem clemência e agilidade na cobrança das multas seria a maior garantia de funcionamento das lojas, bares, restaurantes, academias etc. etc. nos horários que bem entendam. Por quê? Porque quem deve ficar fechado é quem não respeita as regras. Quem faz a sua parte, quem assume suas responsabilidades, deve ser estimulado, protegido, apoiado e aplaudido.
Nós, o povo
Enfim, chegamos ao personagem principal deste drama: o povo. Por razões que, como diz o samba, “a própria razão desconhece”, o povo se omite no seu papel de protagonista e prefere representar o foragido, o ausente, o revoltado, o irresponsável, em um momento que ele deveria ser o condutor de todas as demais forças envolvidas nesse processo.
Deveria obedecer às regras e, mais do que isso, cobrar responsabilidade de todos os demais; deveria seguir com a máxima atenção as decisões dos governos e pressionar pelo atendimento aos seus direitos. Mas, infelizmente, se divide em questões banais, mergulha na ignorância das informações falsas, revolta-se e, por tudo isto, sofre. Sofre profundamente.
Epílogo
Descritos os nossos personagens, suas missões, seus equívocos, resta encerrar este roteiro com breves palavras sobre este pobre autor. Longe de mim ser o dono da verdade. Longe de mim querer entender mais que cientistas, pesquisadores e médicos sobre a doença que nos assola.
Mas não vou cometer o erro da omissão. O papel da Imprensa deve ser o de expor as questões, buscar quem tem as respostas, cobrar quem não está fazendo a sua parte e, no final, dividir tudo isto com a sociedade. E você pode concordar, discordar, propor outras interpretações, enfim, este espaço é aberto.
Cabe a cada um pensar no papel que está desempenhando no drama “A Pandemia”. Quem sabe, assim, este terrível “espetáculo” saia de cartaz para nunca mais voltar a ser encenado.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.
> Texto modificado às 13h30 do dia 20/4/2021.