Ricardinho tem vinte e poucos anos, rosto de menino, coragem de homem vivido e maduro, porque o sofrer tem dessas coisas, amadurece, dizem. Foi munido com essa coragem, que talvez ainda nem saiba ter, que ele atravessou o campo do Beira-Rio, em Porto Alegre, de joelhos, para pagar uma promessa, no último domingo à noite.
Não sou lá muito ligada em futebol. Não tenho a paciência necessária para acompanhar os jogos e campeonatos; só arranjo tempo para assistir quando o Verdão encara uma final.
Gosto de ver todos os lances pra ficar por dentro da zoação, perdendo ou ganhando, tanto faz, porque futebol pra mim é só alegria.
Por conta de não acompanhar futebol tão de perto, só tomei ciência da existência de Ricardinho ao vê-lo na TV, arrastando os joelhos pelo gramado enquanto enxugava as lágrimas.
O gol que deu a vitória ao Grêmio, contra o Inter, foi dele, mas o feito foi para segundo plano, quando ele decidiu pagar a promessa. E o teor do pedido nem vem ao caso, é pessoal, mas foi lindo de ver.
Descobri, no desenrolar das notícias, que Ricardinho perdeu o pai e o avô para a covid-19, entre março e abril deste ano. Eram duas grandes referências suas.
O jovem centroavante com certeza não tinha a amplitude da cena que protagonizava, enquanto atravessava o estádio onde as luzes já se apagavam. Decerto não imaginava que tocaria os corações como tocou.
Humildade, respeito, amor à família e tantos outros bons exemplos ele conjurava, sem saber, no gesto de agradecimento espiritual e homenagem aos seus entes queridos, como o pai, policial militar que ele já reverenciava prestando continência a cada gol marcado.
Quero crer que ele vai seguir mais leve, após externar seu luto com tanta eloquência e desprendimento. Expor amor e lágrimas é um gesto de audácia, cada vez mais raro.
Coragem também demonstrou o jovem Tomás, filho de Bruno Covas. Segurar a mão de uma pessoa querida, no leito de morte, é tarefa de gigante. Naquele instante, apesar da dor, as mãos que se encontram estão a forjar laços que perdurarão pela eternidade, eu não tenho dúvidas.
Tomás, em tantos registros de Bruno Covas durante sua batalha contra a doença, estava sempre lá, como um anjo revestido de esperança. A cura física não foi alcançada, mas juntos eles escreveram uma bela história de amor entre pai e filho.
Assistir às atitudes desses garotos reverenciando seus pais, de peito aberto, me faz crer, apesar de tudo que temos vivido, que a esperança se alimenta da fé e da coragem dos jovens para permanecer forte e viva.
> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.