Foto / Acervo TV Globo/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

“Bruno Covas é sedado e quadro é irreversível, dizem médicos.” Este foi o título que li na homepage do portal UOL às 22h08min da noite de sexta-feira (14) em frente ao meu computador de mesa.

Veio uma sensação imediata de tristeza. Não porque eu fosse um grande amigo do prefeito de São Paulo, ou porque seja um admirador de celebridades. Mas porque voltou à minha mente uma criança gordinha posando para fotos junto com o avô Mário Covas.

O velho Covas, deputado federal cassado pelo regime militar; prefeito de São Paulo nomeado depois que a oposição chegou ao governo do estado com Franco Montoro em 1982; senador eleito em 1986, depois candidato a presidente da República que quase chegou lá em 1989 (com o meu voto no primeiro turno), depois governador de São Paulo eleito em 1994 e reeleito em 1998, com gestões elogiáveis, até sucumbir ao câncer.

O pequeno Bruno (à esq.) respirou política desde a infância ao lado do vovô Mário (à dir.). Foto / Instagram Tasso Jereissati/Reprodução

Ufa. Difícil. Homens públicos –os que merecem ser chamados assim– têm uma vida que o ser humano comum nunca aceitaria viver. Dormem pouco, comem mal, são estressados, quase não têm tempo para a família. E mesmo assim querem continuar.

O que faz um político querer continuar? Poder? Riqueza? Vaidade? Corrupção? Cada um faça o seu juízo. Eu, desde que me entendo por repórter cobrindo a política de São José dos Campos, a partir de 8 de dezembro de 1977, posso dizer que, com raras exceções (um dia quem sabe falo delas), essas pessoas são levadas por um senso de missão. Alguns vão além, parecem seguir um destino que viria de outras vidas. Político nasce, cresce, amadurece e envelhece aguentando tudo de bom e de ruim que a carreira oferece, mas não larga esta sina que parece lhe ter sido conferida por alguma divindade.

Político ganha e perde; é elogiado ou é massacrado; está bem de vida ou está “na pior”; tem poder ou está “no limbo”. Mas não perde a pose. No pior dos seus dias, empina-se todo para dizer que na próxima eleição virá forte, será consagrado pelo povo e voltará ao poder.

Eu não sou daqueles que generalizam tudo, nem na política. Conheci os ótimos e os péssimos, graças a deus os primeiros sempre foram mais numerosos que os segundos.

Mas, para os novatos neste mundo da política que querem seguir o “ídolo” eleito, deixo uma sugestão. Se você não tiver sangue frio, memória curta e, em alguns casos, baixa autoestima, não entre nessa. Esse mundo, como o do futebol, o do jornalismo, o da boemia, o da medicina, o do crime, é um mundo com regras próprias. Os fracos não sobrevivem a elas.

Feita esta longa e certamente cansativa introdução –no passado dizia-se introito–, quero dizer que a notícia da gravidade extrema do estado de saúde do ser humano Bruno Covas, que estava dirigindo com competência uma das maiores cidades do mundo, me deixou triste, muito triste.

Da mesma forma que, lá nos longínquos anos 80, fiquei arrasado ao saber do estado de saúde do então prefeito Hélio Augusto de Souza. Ele era o vice-prefeito eleito junto com o cabeça-de-chapa Robson Marinho, que arrasou os demais candidatos e venceu a eleição municipal de 1982.

Cerca de dois anos depois, Robson renuncia e vai disputar a eleição para deputado federal. Assume o vice Hélio Augusto, que inicia um governo com ênfase no social e na proteção à infância.

Tudo ia muito bem com o governo de Hélio Augusto, um cara que veio de baixo, estudou com sacrifício, carregou o grande Robson nas costas como um assessor incansável, até que veio a doença. Repentina, traiçoeira, urgente no desejo de levá-lo embora.

Hélio Augusto de Souza: doença e morte no poder. Foto / Reprodução

Aí entra a diferença entre os tempos antigos e os atuais. Aí justificam-se estas mal traçadas linhas. Desde que o prefeito Bruno Covas teve os primeiros sintomas do seu problema de saúde e até a sua morte, nada foi escondido, tudo foi revelado. Trata-se de um homem público que, infelizmente, não é dono da sua vida privada. Todos querem saber se o prefeito de São Paulo está bem ou não está bem de saúde.

Da mesma forma, embora felizmente sem a mesma gravidade, em São José dos Campos o prefeito Felicio e o vice Anderson contraíram o vírus da covid-19. Com muita naturalidade, tiveram o estado de saúde divulgado pela assessoria de Imprensa da Prefeitura e por eles mesmos, nas redes sociais.

Naqueles anos 80, porém, eu estava à frente de um projeto ousadíssimo, o Jornal de Domingo, um semanário ao estilo das revistas também semanais que circulavam no país, como a Veja e a IstoÉ, guardadas as devidas proporções (rsrs…). Tínhamos uma equipe de 22 pessoas nas áreas de redação, publicidade, circulação e administração. Tínhamos como sede uma ampla área no térreo do edifício Market Center, tínhamos grandes planos para o futuro, tínhamos uma tiragem de 20 mil jornais a cada domingo, uma quantidade quase impensável para a época.

E o que ocorreu? Informados da doença do prefeito Hélio Augusto, nossos repórteres e editores foram apurar os fatos. E descobriram que os médicos davam um mês –ou pouco mais– de vida ao prefeito da cidade. O que fazer para informar a população e, ao mesmo tempo, preservar a família do Hélio? Decisões difíceis, que fomos adotando passo a passo.

Pena que o governo municipal da época decidiu que o Jornal de Domingo deveria ser calado porque a decisão foi a de esconder ao máximo a gravidade do estado de saúde do prefeito. Afinal, estava em jogo a sucessão.

Passadas três ou quatro semanas, os maiores anúncios publicitários que sustentavam o Jornal de Domingo foram sendo cancelados ou não renovados. O clima para a continuidade do jornal ficou péssimo, até que ele saiu de circulação, irremediavelmente falido. Não é preciso dizer a você como tudo aconteceu, certo?

Veja como os tempos mudam. O Jornal de Domingo, em 1986, foi “detonado” por dizer sobre o então prefeito Hélio Augusto o que hoje, tranquilamente, o UOL e toda a Imprensa brasileira noticiam sobre o prefeito Bruno Covas.

Conclusão.

Meus sinceros sentimentos pelo prefeito Bruno Covas. Meus renovados sentimentos pelo prefeito –e amigo– Hélio Augusto de Souza. E meus sinceros votos de que a sociedade compreenda e respeite a função da Imprensa séria e compromissada com a comunidade a que ela deve servir.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.