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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Aí você vai participar de um “churras” com os amigos –esquece a pandemia, o isolamento, o distanciamento, não estrague a história– e uns caras da “tchurma” trazem uns instrumentos para animar o dia com um pagode.

Aí você resolve ser mais participativo e coloca um pandeiro na mão para incrementar o som de violão, cavaquinho, timba e chocalho, aquele feito com duas latinhas de cerveja unidas com fita isolante.

Aí você começa a “pandeirar” e sente que todos os olhos começam a se dirigir a você. Primeiro, curiosos, depois surpresos, em seguida raivosos. Amigo, você atravessou o samba, você irritou os pagodeiros, fez feio com a sua mulher, virou chacota dos outros convidados e o “tiozão” folclórico da criançada. Depois de tudo isso, admita: você não sabe tocar pandeiro.

A constatação de que a gente não sabe fazer coisas que admira é o primeiro passo para evitar pagar micos por aí. É preciso humildade para descobrir isso, dar o braço a torcer, e concluir que cada um tem as suas habilidades, e as de uns são diferentes das de outros.

Admiro profundamente quem sabe fazer coisas que eu gostaria de saber fazer. Em outros tempos, chamaria isto de “inveja branca”, mas, como tantas expressões que trazem um ranço racista, esta fica eliminada do meu repertório. Sobram as expressões “inveja do bem”, fã, tiete, admirador…

Essa habilidade de tocar instrumentos talvez seja a maior das minhas invejas. Fico olhando o meu vizinho de coluna aqui no SuperBairro, o Henrique Macedo, dedilhando o seu baixo, ou o seu colega de grupo de música instrumental Benoit Decharneux extraindo solos maravilhosos do seu instrumento, e penso comigo: Deus existe.

E penso logo depois. Como pode? O sujeito tem, pela ordem, que conhecer a música de ouvido ou saber ler música, tem que saber afinar o instrumento, tem que ter uma habilidade incrível com os dez dedos (que parecem vinte), tem que saber “entrar” junto com os outros músicos e, finalmente, ainda tem que ter ritmo. Pô!

Vamos sair da música, onde eu já me confessei humilhado. Vamos à culinária para mais uma humilhação. Nestes tempos de Youtube e realities nas TVs abertas e fechadas, chefs e “chefas” vão exibindo seu talento com carnes, massas, peixes, frutos do mar, doces etc. etc. E a gente se sente muito incompetente.

Há alguns anos, seguia com regularidade a inglesa Nigella Lawson. Depois ela andou sumida por uns tempos devido a alguns problemas conjugais e, agora, “para nossa alegria”, está de volta. A Nigella consegue cozinhar conversando com você, olhando nos seus olhos, fazendo piadinhas, fazendo charme. E, minutos depois, exibe aqueles pratos fantásticos para que os pobres mortais morram de inveja.

Acho que não preciso explicar mais o motivo de eu invejar essas habilidades, certo? São talentos apreciados por todos, que parecem ser simples, mas não são. É coisa que você adoraria saber fazer para deixar os seus amigos espantados e ver nos olhos deles aquilo que você muitas vezes traz nos seus olhos: a invejinha.

Como hoje eu estou me expondo mais que o normal por aqui, seguem outros talentos e habilidades que admiro, gostaria de ter, mas infelizmente não tenho:

– Conhecer os vinhos e suas harmonizações, apesar de não gostar de vinho. (rsrs…)

– Saber identificar plantas e bichos, como plantar, como criar

– Produzir peças de madeira, como móveis, artesanato, peças de decoração

– Conseguir fazer pequenos –e médios– reparos em casa, como pinturas, pequenas construções, instalações elétricas etc. Ah, também tenho vontade de não ter preguiça de fazer isso

– Cantar com um mínimo de desafinação e conseguir manter uma voz mais ou menos aceitável

– Saber contar anedotas sem, na hora, ter um branco e esquecer começo, meio e fim; é vergonhoso, mas costumo mandar anedotas por escrito para os amigos

– Deixar de ser monoglota. Vejo as pessoas falando inglês, espanhol, italiano, alemão (!) e penso: caramba, será que está falando tudo fluentemente?

– Digitar com todos os dedos. A minha geração de jornalistas “dominava” no máximo de quatro a seis… kkkk

– Fazer de 30 embaixadinhas em diante com uma bola de futebol para deixar o pessoal de olhos arregalados. E ainda encerrar o show lançando a bola para o alto e encaixando a “gorduchinha” entre a nuca e o “cangote”, tipo Neymar ou Ronaldinho Gaúcho

Nossa, vou parar por aqui, mas acredite que a lista é imensa. E há duas maneiras de lidar com isso.

Primeira: você decide tentar fazer algumas coisas de que gosta e que não fazem parte da sua rotina. Pode acontecer de se surpreender com a sua força de vontade e descobrir que, afinal, pode aprender a fazer algumas coisas novas. Nesse caso, é sempre bom manter a humildade e saber até onde vão os seus limites.

Segunda: você admite que já tentou várias vezes e aquilo, definitivamente, não é para você. Então, resta manter a sua admiração, cultivar os seus ídolos, contentar-se em ser um espectador privilegiado das façanhas deles e, como se diz por aí, sentar e bater palmas.

E você, quais são as suas invejinhas do bem e como você lida com elas?

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.