Quer saber como ficará o seu bairro nos próximos anos? Siga a entrevista do SuperBairro com Marcelo Manara
WAGNER MATHEUS
O secretário municipal de Urbanismo e Sustentabilidade, Marcelo Manara, recebeu o SuperBairro para uma conversa sobre o presente e o futuro de São José dos Campos.
Durante cerca de uma hora, Manara mostrou como o novo Plano Diretor e a nova Lei de Zoneamento estão induzindo o crescimento da cidade. Ele garante que quem definiu como será a cidade do futuro foi a própria população, com a participação recorde de 2.500 pessoas nas audiências públicas.
Veja como será a nova São José dos Campos em todas as regiões. Veja também o que são as centralidades, instrumentos que visam orientar os novos investimentos para uma cidade equilibrada, com qualidade de vida e geração de emprego e renda para seus moradores.
Por que foram criadas as centralidades? Qual é o objetivo da centralidade do centro expandido?
Foram criados quatro tipos de centralidades. Elas vão desde aquelas que já acontecem naturalmente, os centros tradicionais, que concentram comércio e serviço e só que precisam de um olhar e de políticas públicas específicas, como, por exemplo a região central. Porque São José já observa um movimento natural, como nas grandes e médias cidades do mundo, em que o centro da cidade vai perdendo força, ele apaga, desliga completamente às 18 horas, e aí começa a assumir outros problemas das médias e grandes cidades. Isso precisa de um enfrentamento do ponto de vista de melhoria urbanística, de dinâmica de cidade.
E vamos passando por outras definições de centralidade que tratam, por exemplo, da descentralização, da oferta de comércio e serviço, porque são regiões que precisam ter determinados investimentos, atratividade de investimentos, para que a cidade possa dinamizar outros centros que irão promover uma cidade mais equilibrada, mais acessível a pé…
Por fim, há aquelas centralidades que nós pretendemos induzir. Essas novas centralidades estão nas novas regiões da cidade. Por exemplo, no Novo Horizonte, com a centralidade da leste, o próprio desenvolvimento promovido pela via Cambuí, hoje concentra lá um sem número de investimentos e parcelamentos de solo, por exemplo.
Então é necessário, através de políticas específicas dentro do Zoneamento, que determinadas regiões tenham um atrativo, um diferencial para os investidores concentrarem ali os seus investimentos para que possam gerar emprego e renda, ter acesso a comércio e serviço de qualidade, para que as pessoas da região leste não precisem ter sempre que se deslocar em um movimento pendular que o próprio Plano Diretor diagnosticou, que é da leste ao centro e do sul ao centro.
É um movimento pendular que exige muito da malha viária, do transporte público, da prestação de serviço de custeio da cidade. É necessário descentralizar a oferta desses núcleos que nós chamamos de centralidades para que São José seja uma cidade mais equilibrada na oferta de comércio e serviço e a população tenha a sua vida mais acessível em curtas distâncias.
A centralidade do centro expandido é dividida entre o centro antigo e o novo centro?
Sim, a do centro tradicional e a do centro expandido. Elas se juntam enquanto perímetro [mas são duas centralidades diferentes].
Nesse centro expandido, o que é permitido construir hoje? Valem as mesmas regras para todos os bairros dessa centralidade?
As regras estão definidas dentro desses polígonos definidos na centralidade, cada um pode acessar facilmente através da plataforma GeoSanja e ali, em dois ou três cliques, ter acesso a todas as tipologias de oportunidades e investimentos que podem se acomodar nessas regiões. Nós queremos atrair para lá uma nova forma de viver, então é possível construir edifícios com fachada ativa para motivar o uso misto, e desse uso misto motivar nessa região uma atividade noturna mais diversa, mais intensa, para que a cidade aconteça ali de forma a reacender a atratividade da região central.
Quais são os instrumentos que a Prefeitura tem para controlar os impactos gerados pelo crescimento se eles forem negativos para garantir qualidade de vida?
Os instrumentos são vários. O Plano Diretor e o Zoneamento são iguais a um relógio visto por trás. São duas grandes engrenagens, mas no meio delas, para dar o perfeito funcionamento dessas políticas públicas de ordenamento territorial, têm os outros instrumentos, aquelas pequenas engrenagens para dar a plenitude do funcionamento da “regra mãe”, que é o Plano Diretor.
No Plano Diretor, nós já definimos os instrumentos de atratividade para que essas regiões aconteçam. Então, por exemplo, tem lá um quadro com a região, a macrozona, a centralidade, e aí o empreendedor, ao optar por fazer um investimento dentro da centralidade, tem fatores de desconto na outorga onerosa.
Esse é um indutor para que os empreendimentos aconteçam naquela localidade que a cidade optou –a Prefeitura foi um fio condutor do Plano Diretor, mas na verdade o Plano Diretor e o Zoneamento são dois instrumentos que decorrem de um grande pacto com a sociedade.
E aí temos os outros instrumentos de regulação, que são essas outras engrenagens, o Polo Gerador de Trânsito, o estudo de impacto de vizinhança… são instrumentos que você vai analisando. Além de todo empreendimento ter análise multifocal de várias secretarias. A análise de urbanismo sempre requer um olhar da Secretaria de Mobilidade Urbana. Um dos impactos que a população mais sente é a questão da mobilidade.
E podem entrar nesse caso as contrapartidas viárias?
Sim, esses instrumentos regulam isso. Aqueles empreendimentos que se caracterizam como Polo Gerador de Trânsito têm que oferecer as contrapartidas.
Se a empresa construir dentro da centralidade que a Prefeitura deseja fica mais barato para o investidor?
Só uma correção. Não foi a Prefeitura, foi a sociedade que definiu assim, porque foram 150 reuniões públicas, quatro cadernos de devolutivas, mais de 2.500 pessoas participando presencialmente, 170 mil acessos pela internet. Nós reputamos o Plano Diretor e o Zoneamento de São José como um dos instrumentos mais transparentes, democráticos e participativos dos últimos anos, comparado com Campinas, com São Paulo. Proporcionalmente, fizemos mais reuniões que a capital São Paulo.
A Prefeitura é fio condutor, ela elabora o diagnóstico. Fomos em oficinas, rabiscando mapas, 19 regiões da cidade receberam oficinas, tudo isso para ouvir a população. E ao propor isso, essa dinâmica de cidade, o joseense entendeu que esses instrumentos são necessários, são hábeis para dar um ordenamento na cidade de uma forma mais moderna, com qualidade de vida, que é o que o joseense está acostumado a viver.
O senhor diria que a participação da população das periferias nesse processo foi muito maior que a de bairros já consolidados? Porque o que muitos falam é “ninguém me perguntou”, mas não perguntou porque ele não foi às audiências, não participou. É isso?
Exato. Eu diria que são interesses diferentes, são necessidades diferentes. Enquanto nas regiões novas, em desenvolvimento –e aí eu cito novamente a zona leste–, você vai discutir política pública com a população, há uma série de carências de uma região ainda não infraestruturada. Então nós ouvimos várias reivindicações desse tipo.
Em outras, como na região central, emerge, por exemplo, uma preocupação com segurança, porque às 18 horas desliga tudo e aí é preciso outra política pública para a região se revitalizar, para que tenha a dinâmica de cidade e a sensação de segurança se faça presente para aqueles moradores mais tradicionais que permanecem na região central.
Precisamos ter a habilidade do ponto de vista urbanístico, enquanto gestores, de oferecer na proposta de um Plano Diretor e de um Zoneamento, um diagnóstico em que as pessoas se vejam representadas. Porque a linguagem urbanística, de qualidade de vida, é muito específica. As pessoas têm a sensação, mas não sabem dizer “o que vai melhorar na minha rua”. Então cabe ao Poder Público demonstrar os caminhos. É isso que nós levamos como propostas para discussão. Realmente, alguns locais têm uma participação maior, um percentual mais representativo. E aí eu falo da importância das sociedades amigos de bairros…
Quase nenhuma está exercendo sua função hoje…
Exato. Tem que exercitar o que eu chamo de uma musculatura de cidadania, porque é a discussão do dia a dia no seu bairro, não é a cada dez anos no Plano Diretor. É a discussão, a participação, o exercício dessa musculatura de cidadania participativa –é uma redundância falar “cidadania participativa”, mas é no sentido de dar ênfase–, é preciso que as pessoas se motivem a discutir a sua rua, o seu bairro, isso é que faz, ao longo do tempo, consolidar-se uma expressão melhor de participação nos momentos de definição de política pública.
Existem canais de participação para a população, mesmo depois de a lei ter sido aprovada, que podem modificar o que não esteja funcionando bem?
Nós temos inúmeros colegiados que exercem a abertura ou o controle social. Por exemplo, aqui na Secretaria de Urbanismo e Sustentabilidade [Seurbs], temos hoje dois conselhos que são muito participativos, históricos, que são o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e o Conselho Municipal de Meio Ambiente.
No CMDU, estão representantes de bairros, do setor produtivo, da Prefeitura, de diferentes composições. E nós estamos inclusive ampliando a participação, conforme pacto previsto no Plano Diretor, de tornar o CMDU um conselho mais robusto. Porque, a partir da outorga onerosa, ele passa inclusive a ser protagonista, a discutir a aplicação de investimentos que chegam através dela. A outorga onerosa foi uma inovação, um avanço, uma modernidade em São José dos Campos. Nós abrimos à participação opinativa das pessoas através desse conselho.
Tem o Conselho Municipal de Meio Ambiente, o Coman, que é histórico, é referência no Brasil. Ele tem pautas muito aquecidas, tem uma participação bastante ativa e que traz mecanismos de qualidade de vida importantes do ponto de vista do desenvolvimento urbano. Estamos discutindo a unificação do Conselho de Meio Ambiente com o Conselho de Saneamento, que hoje está na Secretaria de Manutenção da Cidade.
Com essa nova formação, nesse segundo mandato do prefeito Felicio [queremos atingir] o que ele nos incumbiu, de ter um resgate histórico no setor rural. Nós estamos trabalhando na consolidação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural. Então, a Seurbs terá praticamente quatro conselhos municipais. Só a Seurbs. Existe o Conselho de Mobilidade, o Conselho da Criança e do Adolescente, de Saúde, de Educação, há vários conselhos em que o cidadão comum pode participar.
Se ele tem uma reivindicação, observação ou contribuição, pode enviar essa contribuição para ser analisada ou teria que ir até um desses conselhos?
O melhor caminho é ele encontrar o seu alinhamento melhor com um conselheiro, porque essa é uma função do conselho, ouvir. Por exemplo, se no seu bairro existe uma associação que tem assento num conselho, ele pode trazer [a sugestão] através de um conselheiro, ou então participar de uma das reuniões e falar que quer ter direito a manifestação. As reuniões são abertas. Pega o microfone, coloca a sua participação, ela fica registrada em ata.
Esse é um dos mecanismos. Outro mecanismo é ter uma participação, por exemplo, dentro da sociedade amigos de bairro. E aí ele utiliza os canais dos vereadores que estão também com essa atribuição de verificar, atender a uma demanda do bairro. São vários caminhos.
Então ele pode participar individualmente levando a reivindicação dele a um desses canais…
É lógico que determinadas pautas… por exemplo, se ele diz “eu quero a revisão do Plano Diretor”, aí já é uma questão mais complexa. Então, depende da complexidade da demanda, ele vai ser atendido [ou não].
Nesse caso, por exemplo, um abaixo-assinado necessariamente não tem mais força do que uma reivindicação individual, que pode ser viável em comparação com o abaixo-assinado em que a reivindicação não seja viável…
Sim. O que nós adotamos como uma atenção à participação cidadã do munícipe é assim: ele vai obter uma resposta. Como nós fizemos no Plano Diretor, no Zoneamento, estamos fazendo no Código de Obras agora, que é outra política pública em que nós estamos inovando, modernizando, trazendo elementos para uma cidade melhor. Ela [a reivindicação] pode ser acolhida, acolhida parcialmente ou não acolhida. Mas ele vai ter a resposta, o porquê de não ter sido acolhida.
O mesmo mecanismo foi adotado nas audiências públicas?
Exatamente. Foi o primeiro município que, em todas as políticas públicas, virou uma referência nacional.
Secretário, sobre o novo centro, que alguns também chamam de “centro nobre”, havendo ali problema de trânsito, de saneamento básico –a rede de esgoto da avenida Heitor Villa-Lobos, por exemplo, é muito antiga, em tempo mais quente ela gera odor–, o que a Prefeitura pode fazer? Pode fazer correções pontuais ou já se tem um estudo na lei em termos de investimento público?
Nós temos outros documentos que asseguram isso. Para citar o seu exemplo, o sistema de esgoto é uma concessão de serviço público. Nós temos um contrato com a concessionária em que a cidade, por ser um ente vivo, que se transforma ao longo do tempo, a concessionária tem que garantir excelência na prestação do serviço. Ela é obrigada, contratualmente, a entender a dinâmica da cidade e promover os investimentos e melhorias necessários para acomodar isso. E não o contrário, a Prefeitura e a sociedade não podem, na discussão de um Plano Diretor e de um Zoneamento, que são mecanismos indutores de desenvolvimento da cidade, se ver limitadas ou restritas porque a prestadora de determinado serviço público não pode cumprir.
Fazendo outra analogia, é o mesmo que não podermos expandir a cidade para determinada região porque não chega ônibus lá. É o contrário. O contrato de concessão de serviço público tem como prerrogativa obrigar a contratada a enxergar a cidade como um ente vivo que se modifica, que evolui, que altera os seus cenários ao longo dos anos. Principalmente em contratos de concessão tão longos como esse de 30 anos. O que faz a Prefeitura? Ela tem um departamento de relação com as concessionárias que trata, no âmbito da Prefeitura, aquelas deficiências observadas em determinadas regiões.
Ou seja, para cada necessidade tem que haver uma solução. E este é um processo contínuo, as coisas vão acontecendo, sem se descuidar da qualidade de vida…
Exato. Vou usar o exemplo do Aquarius. Ele surgiu como um parcelamento que, a princípio, seria uma ocupação horizontal, e passou ao longo do tempo a ser vertical. E aí, no Aquarius, nas audiências públicas, a população organizada, exercendo o seu papel participativo dentro das audiências públicas, colocou esse contexto: “Nós temos dificuldade de abastecimento de água, de energia, de esgoto, e a cidade acontecendo de determinada forma aqui, nos preocupa que não tenha esse tipo de atendimento”. Eles levaram essa reivindicação até lá. Então a Prefeitura, nesse momento, recepciona essa preocupação da população e aciona os seus outros mecanismos contratuais, no caso uma concessionária de serviço público, mostrando que a região entende que está desassistida. Então pega o caderno de manifestações e manda para a Sabesp, para a empresa de ônibus. E aí cada secretaria que tem esse tema recepciona essas indagações colocadas pela associação de bairro ou pela “dona Maria”, vai no prestador de serviço e fala que a população está reivindicando isso.
Usando esse exemplo do Aquarius, na sua avaliação, ali foi possível conter a degradação da qualidade de vida? O que se fez, basicamente, para parar o que não estava indo bem?
O Aquarius é uma situação interessante. As pessoas amam morar no Aquarius. Então, quando se fala “aquele paliteiro” e outras expressões que também ouvimos nas audiências públicas…
O perfil daquela população é diferente da de São José de um modo geral, tem gente que vem de outros lugares…
Por exemplo, desde novembro do ano passado o meu filho se formou, veio para São José e agora está morando no Aquarius, adora morar lá. Porque o Aquarius exercita o conceito de que falávamos antes, o conceito de centralidade. Você desce [do prédio] a pé e tem a padaria, farmácia, academia, supermercado, tem aquela praça exuberante que oferece conforto e lazer para a família.
E tem uma coisa que é essencial na preocupação com o desenvolvimento de uma cidade equilibrada: tem investimentos que geram emprego e renda. Você tem ali um sem número de negócios que se viabilizam em razão dessas moradias, dessa população que reside lá. É uma relação de troca importante na cidade que quer determinar a sua qualidade de vida por ser uma cidade inclusiva, com acessibilidade e dentro do conceito de “cidade a pé”, que é um conceito moderno.
O Aquarius é interessante. Quem olha de fora pode falar que ali deve ser um caos. Teria que ter ruas mais largas, a questão do estacionamento melhor. Então você aprende com um modelo e replica o modelo melhorado. Aí você pode discutir o “terreno das vaquinhas”, que também foi uma pauta muito interessante na discussão do zoneamento. Essa é a proposta [replicar o modelo melhorado] para aquela região do terreno das vaquinhas.
O Aquarius respira muitos exemplos disso que ocorreu, debates intensos, aquecidos, um processo de discussão transparente, democrática, participativa e de muito conteúdo. O joseense ama discutir a cidade, ele gosta de São José. Tivemos, como eu falei, 2.500 pessoas participando presencialmente, que foi o mesmo número de Campinas com o dobro da população.
O exemplo do Aquarius continua bom pelo seguinte. Quem mora no Altos de Santana, por exemplo, talvez não veja como boa ideia morar no Aquarius. São pontos de vista diferentes, não é?
Exatamente. O seu exemplo é perfeito para, inclusive, trazermos essa visão que o Plano Diretor definiu. É por isso que a região de Santana é uma centralidade tradicional. A proposta de centralidade ali é completamente diferente, porque é para privilegiar a cultura local, a dinâmica do bairro horizontal, em que as pessoas se conhecem. E mesmo assim, carente de investimentos que gerem emprego e renda. Então, tem que ser atrativo o suficiente para levar novos negócios preservando a cultura tradicional e, através dessa cultura, potencializada pelo turismo, pelas suas festas tradicionais, levar tipos de investimentos que não os deixem à margem do processo de construção de uma cidade inclusiva, atrás de oferta de emprego e renda.
Voltando àquele miolo da Vila Ema, Jardim Maringá, Vila Adyana etc., a gente poderia dizer que a tendência é que não seja mais uma região de casas com grandes quintais, uma vez que a verticalização vai acontecer ali?
Na verdade, essa região da Vila Ema e arredores já foi verticalizada durante muito tempo. Uma verticalização diferenciada. Nós estamos falando de duas realidades de verticalização diferentes, do Aquarius, da Vila Ema e ali, logo do lado, o Esplanada, que manteve o perfil de zona residencial. Pela opção dos moradores, [no Esplanada], nem comércio e serviço, à exceção de alguns corredores. Isso foi um outro debate enorme, porque parte do Esplanada, vindo de uma população de segunda ou terceira geração querendo alugar para comércio e serviço, e a outra população dizendo que não, que tem que ser zona residencial. Encontramos, não digo um meio termo, mas um caminho, porque aí sim o Poder Público apresenta uma proposta, porque senão a coisa fica aberta.
Voltando à Vila Ema, a questão do uso residencial, o RV1 [residencial vertical 1], que é limitado a até 80 unidades, é um perfil completamente diferente do que se propõe para o Aquarius, para o terreno das vaquinhas…
Quem determina o número de andares?
É o Comaer [Comando da Aeronáutica].
Pela lei, pode ter, por exemplo, 30 andares, desde que sejam no máximo 80 unidades…
Oitenta unidades. Também há uma certa confusão dos conceitos de verticalização como sinônimo de adensamento. Não é verdade. A verticalização, principalmente agora na pandemia, quase virou um inimigo. E não é isso. Nós temos todas as estatísticas mostrando que as localidades de maior contaminação são algumas aglomerações que existem na verticalização, mas também aqui em São José, por exemplo, na zona sul, que é totalmente horizontal, mas é mais adensada.
Trazendo a uma realidade mais próxima, o Sunset [condomínio horizontal no Jardim Aquarius, próximo ao portal japonês Tori] tem um adensamento muito maior que o Aquarius. É um pouco de mito que se cria em torno disso.
Então, voltando à verticalização [da Vila Ema e arredores], é uma verticalização mais para o residencial mesmo, apesar de determinadas localidades permitirem o uso misto, outras permitirem que traga fachada ativa com comércio embaixo, porque também é uma região que demanda isso dos moradores locais. Porque, como em outras localidades, eles são ainda muito “carro-dependentes”. A família vai a uma padaria e tem que pegar o carro. Então, o equilíbrio é procurado através disso. Mas a realidade da Vila Ema foi manter uma verticalização mais comedida pelo número de unidades de cada lançamento.
Secretário, sobre a questão do limite. A lei existe e, enquanto ela estiver vigorando, todo investidor tem o direito de se beneficiar dela, certo? E para a cidade, todo investimento é muito bem-vindo, certo? Mas existe um limite para isso? Quando é que se chega a esse limite?
Aí nós teríamos que entrar no tema da capacidade de suporte. Qual é a capacidade de suporte de uma região ou do município de São José dos Campos? Ao discutir no Plano Diretor a opção da cidade sobre se iria quebrar alguns paradigmas da verticalização ou se iria manter a cidade com vocação horizontal, a opção seria a seguinte: espraiar horizontalmente, levando a cidade até encostar na [rodovia] Carvalho Pinto de um lado, ou fazendo pressão sobre a várzea, ou, pior ainda, subindo as encostas na Vargem Grande até os seus limites no perímetro urbano. Nós teríamos outras características de impactos na qualidade de vida, isso ficaria muito mais difícil.
Há mitos de que a definição de uma cidade horizontal é uma cidade com mais qualidade de vida. Isso não é de todo realidade. Vai falar para quem mora no espraiamento horizontal, mas precisa pegar quatro ônibus para chegar no trabalho, pergunta se isso é qualidade de vida. É um pouco aquela coisa da expansão da área urbana americana, mas as periferias são diferentes.
Então, a avaliação que fizemos dos vazios que nós temos em São José dos Campos, nós identificamos que em termos de crescimento vegetativo, do índice Seade [Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados], que é 1,2 ou alguma coisa próxima disso, nós temos condições ainda de ocupar os vazios pelos próximos 20 anos. Então, ainda dois Planos Diretores terão uma reserva de área para crescer para dentro, para não ter que se preocupar em expandir o perímetro urbano.
Mas e quando um vazio chega no seu ponto de saturação, quando esse vazio se preenche?
O que acontece é que não aparecem mais investimentos ali.
O mercado regula?
Não é o mercado que regula. Na verdade, se olharmos com o objetivo maior de qualidade de vida, quando você tem as áreas mais antigas, verificando todas as áreas no entorno da região central, são áreas já infraestruturadas, sem terrenos vazios sobrando. Essas regiões atingiram a sua capacidade de suporte? Não, porque a cidade é um ente vivo, então aquela ocupação, que era cem por cento daqueles lotes no perfil residencial unifamiliar, ela começa a observar essa característica de perder atratividade, as pessoas começam a se mudar de lá, atrás de uma cidade mais dinâmica. Tem aqueles que ficam por opção, mas ela vai se degradando ao longo do tempo.
É preciso, em uma discussão dessa, verificar em quais regiões são necessários investimentos para modernizar, melhorar, aumentar a atratividade. Porque a cidade, volto a dizer, como ente vivo, envelhece, precisa passar por um “check-up”. É esse o propósito das rediscussões do Plano Diretor, do Zoneamento, a cada dez anos no máximo.
Em 2017, nós pegamos um Plano Diretor dois anos atrasado, porque deveria ter sido concluído em 2016. O mundo muda hoje a cada cinco anos. Então, não se pode deixar uma política pública “mãe” de ordenamento territorial atrasar dois anos por omissão do Poder Público.
Nós pegamos uma cidade com 26 grandes glebas impedidas de aprovar qualquer tipo de construção e investimento pela Adin [Ação Direta de Inconstitucionalidade]. No primeiro semestre de 2017 já enfrentamos Adin, pacificamos, demos plenitude para o Zoneamento vigente, entramos na discussão do Plano Diretor em 2018, consagramos o Plano Diretor, em 2019, o Zoneamento e, agora, estamos definindo um novo Código de Obras.
Trouxemos os conceitos de construção sustentável de “green building”, dessa nova percepção de cidade. Então é isso que cabe ao Poder Público, colocar a população para discutir quais os caminhos que nós queremos para o desenvolvimento de São José.
Essas localidades que já estão infraestruturadas se bastam na estrutura em que estão agora? Algumas, sim. Cito o exemplo, novamente, do Esplanada, que foi lá [nas audiências públicas] e falou: “nós nos bastamos desse jeito”. Outras localidades falaram: “olha, nós perdemos muito morador”. Então é preciso ter o que nós chamamos de acupuntura urbana para fazer alguma coisa acontecer ali e revitalizar. O conceito é esse.
Não é nem modernizar, que é um conceito errado. É revitalizar aquela atratividade para que as pessoas se sintam bem, com qualidade de vida, com oferta de produtos e serviços, infraestrutura pública, é isso que nós temos que analisar em cada área.
É difícil dizer que “chegou à capacidade de suporte”, que naquilo ali não acontece mais nada. Não existe isso em um ser vivo, não existe isso na cidade, que é um ser vivo que está se modificando.
Mas intervenções pontuais são possíveis sem que seja preciso aguardar por uma nova lei?
Sim. O braço do Poder Público é um esforço importante para isso. Por exemplo, estamos fazendo uma acupuntura urbana, hoje, definida pelo Plano Diretor, o Parque Santa Júlia, na região sudeste. Ali, é o Poder Público qualificando um ambiente, antes degradado, para 40 mil pessoas que não têm acesso a área pública de lazer.
Isso é uma acupuntura urbana, a população reivindicou área de lazer no Plano Diretor e, um ano depois, já começamos a fazer o parque. Com equipamentos modernos, coisas extremamente atrativas, vai ter tobogã, escalada, ciclovia, um reflorestamento de 15 mil mudas, parque de cerrado, tudo isso é investimento para a cidade responder positivamente ali enquanto atratividade.
Para finalizar, o senhor tem alguma coisa a acrescentar?
Tem muita coisa interessante para se falar. Por exemplo, na mobilidade urbana. A Linha Verde “caminha” por cinco centralidades. E olhe que o Plano Diretor não sabia que iria existir a Linha Verde. É uma convergência positiva. A Linha Verde é muito mais do que uma modernidade tecnológica, claro que é lindo ver aquilo, um modal elétrico, desde o modelo de negócio, mas também fico muito satisfeito porque a Linha Verde está bebendo da fonte do Plano Diretor.
Ela é um exemplo de que o Plano Diretor de São José não é o que acontece, infelizmente, com a maioria dessas políticas públicas, de ficar bonito e de “gaveta”. Ele é um instrumento de planejamento para a cidade. A Linha Verde é o maior exemplo, passa em cinco centralidades, dois centros empresariais, não sei quantas universidades. E o que o Plano Diretor apontou, que o maior conflito de mobilidade é na [região] sul/centro, porque a sul é o maior adensamento, então a Linha Verde vai servir à população que mais utiliza transporte público com um transporte inovador na América Latina, cem por cento elétrico, sem poluir.
Um perfil de Marcelo Manara
Marcelo Pereira Manara, 55 anos, engenheiro agrônomo, nasceu em Taubaté e mora em São José dos Campos há 29 anos. É casado e tem dois filhos.
Formado pela Unitau (Universidade de Taubaté) em 1987, é pós-graduado em gestão ambiental pela Unicamp (1997). Foi assistente técnico do Ministério Público (2005-2012).
Como secretário municipal de Urbanismo e Sustentabilidade coordenou os trabalhos para o Plano Diretor e a Lei de Zoneamento, negociou os licenciamentos ambientais da Via Cambuí, Arco da Inovação e Linha Verde e implantou projetos como o Observa e o Arboriza SJC. Sob seu comando, a Sala do Empreendedor atingiu recorde nacional para abertura de empresas em menos de 24h.
Fonte do perfil: Prefeitura de São José dos Campos