Ilustração / Maria D'Arc Hoyer/Colagem

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

“Você foi, o maior dos meus casos, de todos os abraços, o que eu nunca esqueci.” A letra de uma das canções mais famosas do rei Roberto Carlos foi me encontrar no início da caminhada matinal, que faço na excelente companhia da minha cadela Nina.

Nesse horário, bem cedo, em geral só escuto o silêncio quebrado ocasionalmente pelo rugir de motores de carros e motos transportando pessoas ao trabalho. Com o frio que tem feito, só mesmo as obrigações profissionais para nos tirarem das cobertas tão cedo. Bom, as necessidades dos nossos pets também são um incentivo.

“Você foi, dos amores que eu tive, o mais complicado e o mais simples pra mim.” Sigo pela calçada, devagar, no ritmo da Nina, que já está velhinha, lenta e, diz a veterinária, ficando caduca. Um desses amores inexplicáveis mesmo, que a gente tira da rua e traz pra casa e se torna o melhor dos enganos que a gente pode fazer.

Continuo meu trajeto, ouvindo “a mais estranha história que alguém já escreveu” e logo descubro a fonte da música. Tocando em um rádio (ou seria um toca-fitas?) de uma Kombi de aluguel estacionada à beira do caminho.

O proprietário, com jeitão de quem se teletransportou do festival de Woodstock para os dias de hoje, cabelos grisalhos compridos e calça jeans desbotada, verdadeiro clichê da Jovem Guarda que envelheceu, ouvia a música, sentado na carroceria de madeira. Bem recostado, de forma a aproveitar o sol nascente no rosto, de olhos fechados, alheio a qualquer passante com olhar curioso e enxerido.

Cena do tipo que coloca um sorriso gratuito no rosto da gente. Felicidade é momento e só. Enquanto Nina procurava o local perfeito para fazer suas obrigações diárias, fiquei imaginando quais amores amigos ele estaria a recordar. Que saudade ele gosta de ter, só para sentir seu amor bem perto outra vez?

Esse não é o tipo de som que toca nos meus fones de ouvido, sou mais Bon Jovi e Scorpions, mas a melodia colou em mim como chiclete e eu gostei dessa caminhada com trilha sonora diferente.

Sai cantarolando baixinho, porque quem tem mais de cinquenta anos sabe as letras do Roberto Carlos de cor, por osmose. “E é por essas e outras que a minha saudade faz lembrar” e repetir, mesmo assumindo o enorme risco de ser piegas, que são as pequenas coisas que fazem tudo valer a pena nessa vida tão ligeira.

“Ah, você foi toda felicidade, você foi a maldade que só me fez bem.” A voz pujante e macia do eterno rei da música brasileira continuou a preencher o momento perfeito de simplicidade do existir, que o dono da Kombi dividia com generosidade; daqueles instantes que retornarão à memória sempre que a música tocar, outra vez.

 

> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.