Foto / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

À tardinha, estou no carro, estacionado em frente ao Pronto-Socorro, onde, com paciência de Jó, aguardo um amigo ser atendido.

Fervilha de gente, mas agrada-me saber por alguém que não sei quem, que para uma segunda-feira o movimento não é grande. Boa notícia, mesmo ignorando o que isso queira dizer exatamente.

Prevendo mofar ali, pus o carro de ré para enxergar a rua. Assim desanuvio vendo os passantes. De onde estou, diviso a pracinha à direita sem esforço nem risco de ganhar um torcicolo.

Ao lado, no interior de um Gol quadrado, alguém esperando alguém, como eu; e na calçada, lambendo o para-choque, gente em vaivém. Algumas, preocupadas e com pressa; outras, nem aí. A maioria passa olhando o celular, distraída.

Quando chego não tenho lugar para parar. Por isso, ao conseguir uma vaga, cuido de informar o chegado aonde estou, pelo WhatsApp. Ele me disse ter feito um exame para investigar a causa da dor que o levou ao médico, e que o resultado ficaria pronto em duas horas.

Replico dizendo que, diante da demora, darei uma volta, a pé, pelas redondezas. Tenho a expectativa de, quem sabe!, encontrar algum conhecido para uma conversa. E rodeio por ali, desapressado.

PUBLICIDADE

Volto um tempo depois e vou ao WhatsApp. Nenhuma novidade, mas ele tinha visualizado a mensagem. Então, baixo o vidro do motorista e do carona, reclino o banco e estico as pernas para relaxar. Ia demorar. O que não tem remédio, remediado está, conformo-me.

Plugo no USB do rádio um pen drive musical que comprei na praça do Sapo, diminuo o volume para não incomodar o vizinho de infortúnio, e dou de ouvir Renato e seus Blue Caps, The Fevers e outros da Jovem Guarda, movimento que nos anos 1960 misturou gênero musical, moda e comportamento num só caldo cultural.

Se tiver fome, penso tomar um lanche no bar em frente. Quase às moscas, o lugar não é o mais indicado, mas é o que tem. A temperatura está agradável e a noite principia depois de um céu corado e um lusco-fusco típico desta época do ano.

Saio de novo a vaguear, sem muito me afastar. E enxergo do lado oposto, na porta da farmácia, o balconista fitando o nada. Não vê a hora de ir para casa, estar com a família, desfadigar. Na loja de roupas, vizinha do bar de má aparência, a mulher de meia idade se mexe para cerrar as portas. Sem demonstrar pressa, guarda os manequins e araras expostos no hall sob cobertura e fala ao celular. Parece ser a dona.

PUBLICIDADE

De volta ao banco do carro, olho cada detalhe à frente, e para o meu espanto, não consigo ler o nome da lojinha. A tipologia é exótica; e o letreiro preto vazado no fundo branco, ilegível. Será aramaico? Sei lá! Só sei que encasqueto.

Por alguns segundos, fixo naqueles hieróglifos e tento decifrá-los. E penso que se a propaganda é a alma do negócio, aquela era vazia, sem corpo, nem alma. Estou decidido a cruzar a rua para matar as bichas curiosas quando, num repente, meu amigo abre a porta do carro.

Vamos embora! Mais quinze minutos neste Pronto-Socorro e eu fico doente, disse, desabando-se no banco do carona.

Uma dose levanta defunto de Buscopan tinha devolvido ao brother um rim indolor e o bom humor. Quanto ao nome da lojinha…deixo pra lá.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.