Michael Keaton (ao centro) faz um advogado que tem nas mãos os destinos e expectativas de vítimas do "11 de Setembro". Foto / Divulgação

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Passados 20 anos, permanece cravado em nossa memória –e na vida de muitos– o dia 11 de setembro. Diretores já filmaram e reconstituíram os acontecimentos sob e sobre os escombros, roteiristas transcreveram inúmeros diálogos reais e imaginários, especialistas documentaram e contextualizaram fartamente o antes, o durante e o depois dessa tragédia que abalou os Estados Unidos e o mundo.

Havia, porém, um aspecto ainda não abordado, com que a diretora Sara Colangelo (“A Professora do Jardim da Infância”, “Conflitos e Reencontros”) nos incomoda ao apresentar em minúcias: o valor de uma vida.

Expondo a incomensurável dor das perdas, em paralelo à crueldade dos fatos, dos números e dos múltiplos interesses que cercam tais vidas, o filme “Quanto Vale?” (Worth), lançado recentemente na Netflix, traz a biografia do renomado advogado Kenneth Feinberg (Michael Keaton: “Spotlight – Segredos Revelados”, “Birdman”, “Batman”, “Fome de Poder”), que havia sido contratado pelo Congresso norte-americano para arquitetar o Fundo de Compensação às vítimas do 11 de setembro, imediatamente após o ataque terrorista.

A fim de evitar a falência das companhias aéreas direta ou indiretamente envolvidas, além do provável colapso na economia do país com pedidos bilionários de indenização, caberia a Kenneth calcular o montante a ser pago a cada família pelas vidas perdidas no fatídico dia. Um tanto hesitante, ele aceita e divide essa árdua tarefa com sua sócia Camile (Amy Ryan:  “Garotas Perdidas – Os Crimes de Long Island”, “Ponte dos Espiões”) e equipe. E, ressalte-se, o faz pela causa, sem aceitar qualquer honorário.

A vida de um alto executivo vale mais do que a de um ajudante geral? Aceitar esse dinheiro pode causar problemas aos imigrantes? A família do bombeiro herói pode exigir uma homenagem textual como reparação? Muitos questionamentos vêm à tona e vão sendo dissecados, um a um.

Destaque para dois personagens: o viúvo Charles (Stanley Tucci: “O Diabo Veste Prada”, “Conspiração”), que desenvolve com as famílias uma ação paralela ao Fundo de Compensação do governo, e a advogada recém-formada Priya (Shunori Ramanathan: “First Match”, “Monuments”), que questiona a maneira fria como Kenneth desenvolve os cálculos –aparentemente, sem se envolver com as histórias de vida reportadas em reuniões individuais.

Mais do que aspectos jurídicos, nos vemos diante de diferentes níveis de interesse: relações homoafetivas não aceitas pela família, direito de filhos de relações extraconjugais, conflito entre a necessidade financeira e o sentimento de culpa por ter sobrevivido, trabalhadores que tiveram sua saúde seriamente afetada posteriormente à tragédia. Afinal, quanto vale a vida de cada um de nós?

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O RECEPCIONISTA

Como abordar assuntos delicados no cinema? Sem ser piegas, o diretor e roteirista Michael Cristofer (“Pecado Original”, “Fogueira das Vaidades”) nos colocou frente a frente com a Síndrome de Asperger. Poderia tê-lo abordado ainda na infância, com as habituais cenas de bullying a autistas, entretanto o fez mais à frente: um personagem já adulto, independente, habilitado a dirigir e com vida profissional.

O pacato Bart Bromley (numa atuação extraordinária de Tye Sheridan: “Jogador nº 1”, “X-Man – Fênix Negra”) mora com a mãe, Ethel (Helen Hunt: “Melhor é Impossível”, “Náufrago”), com quem se relaciona a uma larga distância física e de raras palavras. Com dificuldade de socialização, ele trabalha no tranquilo turno da noite, na recepção de um hotel. Às escondidas, Bart instala câmeras nos quartos, para observar –nos monitores locais e nos de sua residência– como os hóspedes se relacionam habitualmente; desse modo, vai imitando-os ao reproduzir falas e gestos, numa tentativa de receber os clientes o mais próximo do que é tido como normal.

Num de seus turnos ocorre um assassinato e o jovem torna-se o principal suspeito por ter sido o primeiro a chegar à cena do crime. Aguardando a investigação em liberdade, ele conhece a hóspede Andrea (Ana de Armas: “Sergio”, “Entre Facas e Segredos”), por quem se apaixona. Disponível na Netflix, “O Recepcionista” (The Night Clerk) é um bom drama, com ótimas atuações.

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> Séries

NOVE DESCONHECIDOS

(NINE PERFECT STRANGERS)

Nicole Kidman (“A Intérprete”, “De Olhos Bem fechados”) e Melissa McCarthy (“As Bem Armadas”, “Uma Ladra Sem Limites”) são as coprodutoras e fazem parte do elenco desta nova série da Amazon Prime Video.  A primeira é Masha, exótica proprietária de um spa estupendo, que promete transformar totalmente a vida dos hóspedes por ela escolhidos “a dedo”; a segunda é Francis, uma famosa escritora que acaba de levar um golpe amoroso e chega ao local para se recompor.

Cada hóspede carrega seus segredos, todos conhecidos em detalhes por Masha e sua equipe, que vigiam cada passo dos convidados. Nada do que acontece no local pode ser compartilhado fora dali, por isso cada um assina um termo de confidencialidade e de concordância com os métodos a que serão submetidos, tendo recolhidos os celulares e outros aparelhos de contato externo.

Além de Francis, dentre os hóspedes há um decadente jogador de futebol americano, uma família que não consegue superar a morte do filho, um suposto jornalista misterioso, um casal com a relação em queda livre e uma auxiliar de camarim complexada e agressiva. Em sua primeira temporada, com um quê de suspense a caminho de um thriller, é um programa curioso e interessante.

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HOUSE OF CARDS

Esta é mais uma excelente produção norte-americana de seis temporadas, ainda em exibição na Netflix.  Lançada em 2013, a série se tornou do tipo “imperdível” em pouquíssimo tempo, trazendo à tona a febre de poder e corrupção nas entranhas da Casa Branca. O protagonista é Frank Underwood (Kevin Spacey: “Beleza Americana”, “A Vida de David Gale”), congressista cuja obsessão é se tornar presidente dos Estados Unidos, galgando meticulosamente cada degrau e destruindo qualquer pessoa que ouse colocar-se à frente.

O ator é simplesmente magnífico nos gestos e até no contido sorriso irônico do personagem, com falas brilhantes de um time de roteiristas de primeira linha, liderado por Beau Willimon (Duas Rainhas”, “Tudo Pelo Poder”). Frank conta com a articulação mental e apoio incondicional da esposa Claire (Robin Wright: “Mulher Maravilha”, “Corpo Fechado”), a aparentemente bem-intencionada diretora de uma ONG, mas tão ávida por poder quanto o marido.

Outro personagem interessante –muito bem construído e interpretado– é o subalterno Doug (Michael Kelly: “Olhos da Justiça”, “Evereste”), sempre de olhos e ouvidos abertos, disposto a fazer todo serviço sujo em nome da devoção que demonstra a Frank.

Em 2018 a série sofreu uma reviravolta: Kevin Spacey foi demitido, a Netflix e o estúdio Media Rights Capital pararam as gravações e é visível a queda na qualidade a partir de então, na sua sexta e última temporada. Ainda assim, merece uma maratona com baldes de pipoca!

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> Tila Pinski é jornalista (MTb 13.418/SP), atua como redatora e revisora de textos, coordenadora editorial e roteirista. Cinéfila, reside há nove anos na Vila Ema.