Pabllo Vittar é "a" ou "o"? Um problema para a língua portuguesa. Foto / Instagram/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Quando você acha que nada mais pode surpreender, que já aconteceram quase todos os absurdos, a vida moderna mostra que você não sabe de nada, “inocente”…

Nos últimos tempos teve início nos meios de comunicação aquele tipo de notícia que começa como uma curiosidade –“olha só que absurdo!”–, que logo depois começa a ser comentada pelos formadores de opinião moderninhos de sempre –“por que não?”– até atingir o ponto da exigência –“mudar isso é urgentíssimo!”– e começar uma espécie de cancelamento dos “retrógrados” que se opõem à ideia.

A novidade da vez é a linguagem neutra de gênero. Isso mesmo: neutra. Se eu trato hoje o meu amigo por “ele”, talvez agora, aos 63 anos de idade, tendo vivido e visto quase tudo, tenha que tratá-lo por “élu”. Ou então, deixar de chamar a minha amiga de “ela” e tratá-la por “êlu”.

E isto é só o começo. A tal linguagem neutra muda muita coisa no tratamento interpessoal, no texto escrito, nas relações sociais de um modo geral. Tudo para não ofender aos gêneros emergentes que estão ocupando seus espaços. A maioria se abriga nas letras LGBTQIA+.

Você provavelmente vai dizer que eu estou contra o respeito à diversidade de gêneros, à livre escolha da orientação sexual, talvez até avance para me chamar de homofóbico. Ou, no mínimo, vai dizer que cheguei a uma idade em que as pessoas se tornam preconceituosas, conservadoras, retrógradas, inimigas da evolução dos costumes.

Adianto que não é nada disso. Sou amplamente favorável ao direito de livre escolha para todos/todas nessas áreas e questões, que julgo de foro íntimo. Sei o quanto os preconceitos e as pressões familiares e sociais já fizeram sofrer gerações e gerações que não puderam “sair do armário”.

Defendo a liberdade de toda e qualquer pessoa seguir o caminho que lhe pareça mais adequado e confortável; defendo ampla assistência médica e psicológica do Estado para que essas pessoas façam as suas migrações para uma nova vida e identidade; defendo que as leis contra os preconceitos sejam mais rigorosas e as punições aconteçam de fato.

Porém, fiquemos aqui neste capítulo e passemos ao próximo. Penso que os direitos desses nossos irmãos e irmãs –ou será “irmanes”?– não podem invadir o nosso próprio direito de livre expressão. Quer dizer que, de uma hora para outra, eu vou ser obrigado a tratar alguém pela forma que este ou esta alguém decidiu que deseja ser tratado ou tratada?

Aí não dá.

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Eu poderia gastar letrinhas e mais letrinhas aqui, com inúmeros exemplos. Mas vou ficar no essencial. Tenho o direito de me expressar –pela escrita ou pela linguagem verbal– de acordo com o V.O.L.P.. O que é isto? É simplesmente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Tudo o que está previsto nele, podemos dizer que está “dicionarizado”, ou seja, é o idioma pelo qual nos comunicamos.

Já imaginou, depois de você ter estudado 12 anos do ensino fundamental até o médio e, mais pelo menos quatro anos de ensino superior, de repente alguém dizer que você vai ter de reaprender muita coisa? A não ser que a loucura seja amplamente majoritária e essas “novidades” passem a fazer parte do próprio V.O.L.P.. Aí complica tudo.

Vou tomar a liberdade de imaginar uma situação esdrúxula a que podemos estar sujeitos se aceitarmos esses modismos. Pense em uma pessoa que você conhecia e tratava por “ele”, que o intima a, “a partir de hoje”, tratá-la por “élu” porque, como em tantos discursos a que temos assistido hoje em dia na chamada “mídia”, a pessoa diz que se descobriu não-binária, aberta a outras descobertas etc. etc.

Aí você concorda e passa a tratar este antigo “ele”, pelo novo “élu”. Mas, claro, só até este novo “élu” te falar que mudou de novo, ou retornando ao “ele” ou “êlu” por arrependimento, ou evoluindo para algo além porque se descobriu mais diferente ainda.

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Saindo um pouco dessa seara delicadíssima, vamos voltar à velha “última flor do Lácio”, a nossa querida língua portuguesa. Poucos anos depois de ter sido alfabetizado, engoli a reforma de 1971, aquela que, por exemplo, eliminou muitos acentos, como “êsse”, “êle”, “aquêle”, entre outras mudanças.

Concluindo intermináveis negociações, o Brasil promoveu, além da reforma de 1971, outras reformas, antes em 1911, 1943 e 1945 e, depois, em 1990, quando foi assinado o Acordo Ortográfico para valer em todos os países lusófonos do mundo.

Para que se tenha uma ideia da complexidade disso tudo, o Acordo só entrou em vigor no ano de 2009. E ainda estamos recorrendo a “colinhas” para não errar mais do que já erramos normalmente. Resumindo: modificar a língua portuguesa é assunto muito sério, seríssimo.

Veja [aqui] um resumo de todas as negociações e reformas adotadas no idioma desde o ano de 1500.

Dito isto, voltemos novamente à questão da linguagem neutra. Já decidi: “tô fora”. Quem quiser que use nas suas “tribos” e “tchurmas”, mas não venham confundir a minha cabeça mais do que ela já está confusa.

Outro dia vi um debatezinho em algum lugar porque alguém tratou o/a artista Pabllo Vittar de uma forma considerada inadequada. Uns defendem que o/a artista seja chamado/a de “a” Pabllo. Ou seja, o artigo feminino seguido de um nome próprio masculino.

Quer saber? Eles/elas usem o que quiserem, mas como uma espécie de “dialeto” que o conjunto da sociedade não deve se sentir obrigado a usar.

Quem quiser entender mais sobre a linguagem neutra de gênero deve ler [aqui] uma abordagem sobre ela.

Acha que estão propondo alguma mudança simplezinha com a troca de meia dúzia de palavras? Veja [aqui] um “manual” informal para a nova linguagem neutra.

Enfim, respeito os direitos alheios, mas peço que respeitem os meus também. Não contem “comigue” para a linguagem neutra.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

 

*O termo “comigue” foi uma invenção proposital do colunista.