Trazer à luz temas e assuntos que são tabus, porque causam medo ou estranheza, é uma necessidade absoluta para normalizar tudo que faz parte da existência, gostemos ou não. Porque é essencial conhecer para amar, prevenir ou tratar.
Foi pensando sobre isso que me lembrei de como uma determinada doença assustava minha avó. Ela ficava incomodada pelo simples fato de ver o nome citado dentro de casa. Como se apenas a palavra fosse capaz de contaminar o lar e as vidas que lá habitavam.
Se atingia alguém conhecido, a doença era nomeada apenas como “aquela”. Quando muito o nome era sussurrado. Na grande maioria das vezes, o próprio portador da enfermidade não era informado. Um parente próximo recebia a missão de saber, esconder e, ao mesmo tempo, preparar a família para o desfecho quase sempre inevitável: a morte.
E era quase inevitável justamente porque era escondido, intimidador, assustador demais até para ter o nome pronunciado. O diagnóstico era sentença e vergonha.
Minha avó querida partiu no início de 1996. Partiu sem presenciar nenhum Outubro Rosa, pois foi apenas em 1997 que algumas cidades dos EUA começaram de fato a comemorar, apoiar e incentivar ações de prevenção ao câncer de mama. Assim mesmo, com nome e sobrenome.
O lacinho rosa que identifica as ações pró-prevenção já existia desde 1990, criado pela “Fundação Susan G. Komen for the Cure” para ser distribuído a quem participasse da primeira Corrida pela Cura naquele ano em Nova York. De lá para cá, todos os anos a corrida se repete.
A partir da corrida com símbolo de laço rosa, as ações se multiplicaram pelo mundo afora: passeios de bicicleta, caminhadas, desfiles de moda com pacientes curados, monumentos iluminados.
O câncer continua um bicho-feio, mas de tanto falar a gente entendeu que ele não nasce tão assustador e que nosso medo de reconhecê-lo só contribui para alimentá-lo. Se descoberto cedo, tem cura e tem vida depois dele.
Em 2020 o Brasil registrou 66.280 novos casos de câncer de mama. É um número três vezes maior que o segundo tipo de câncer mais registrado em mulheres, o de cólon e reto. A informação é do Inca (Instituto Nacional do Câncer), do Ministério da Saúde.
Minha avó não morreu de câncer, foram as complicações de diabetes que a levaram. Mas me entristece pensar que, ao longo da vida, ela conviveu com medos e preconceitos que não faziam sentido, como me entristece ver que muitos outros medos e preconceitos desnecessários assombram nossas gerações mais recentes.
O que me alegra é poder acreditar que, assim como o Outubro Rosa surgiu para combater o medo de enfrentar o câncer de mama, também há de chegar a hora de reduzir esses novos preconceitos a pó, como vampiros expostos ao sol.
Novas caminhadas em direção à luz do conhecimento já se formam, como o Novembro Azul (câncer de próstata), o Setembro Amarelo (prevenção ao suicídio), o Abril Azul (conscientização sobre autismo –que nem é doença). Tomara que esse arco-íris não pare de crescer.
Para amar, tratar, reconhecer, é preciso saber o nome. Olhar de frente, de lado e, no caso das mamas, apalpar diante do espelho, percorrer com os dedos cada centímetro da pele, em um leve batuque. Como centopeia que desliza sobre terra fofa. Se esbarrar em um torrão mais denso, um caroço mesmo que muito pequeno, pare ali mesmo para investigar.
Aperte o calombo de leve, veja se dói. Se a simetria dos seios mudou. Observe a forma e tonalidade das auréolas. Suspeite fortemente de pintas e secreções que até ontem não existiam e marque um ginecologista com a urgência que a ocasião pede.
E se já faz isso tudo por você, aproveite o Outubro Rosa para cobrar a atitude de suas amigas, primas, mãe, irmã. Quem ama cuida.
> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.