Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

O dicionário que repousa na minha mesa, sempre pronto a elucidar questões vernaculares, define retrato como imagem de uma pessoa, real ou imaginária, reproduzida pela pintura, desenho ou escultura. Diz ainda o léxico que retrato pode ser a obra resultante de uma arte desse tipo: “Velázquez pintou o retrato de Inocêncio X”. Retrato é, por vezes, o mesmo que fotografia de alguém ou de algo, ainda que alguns recusem usar o termo para as fotografias de algo.

É sinônimo de sósia, “Ele é o retrato do pai, esculpido em carrara”, e não cuspido e escarrado, o que seria extremamente estranho e nojento. E não só isso, é também a descrição física ou de caráter de alguém, “Gramsci deixou escrito o retrato fiel daquilo que eu sou: ‘Pessimista pela razão, optimista pela vontade’. Isso diz tudo”, assim José Saramago usou o termo para definir-se, reiterando o que dele havia dito seu colega de pena.

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No jargão jornalístico retrato é “boneco”; aprendi isso na minha primeira pauta, no finado “ValeParaibano”. O editor Clodomir Bezerra me pediu que fizesse um “boneco” de cada atleta do E.C. Taubaté, o Burro da Central. Pequei no contraluz, mas trouxe o boneco de todos.

Retrato tem sua origem no italiano “ritratto” que significa imagem ou figura humana que tem semelhança com coisa ou com pessoa, que por sua vez tem origem no latim, do verbo “retrahère” cujo particípio passado é “retractus”.

A primeira foto que trouxe uma imagem humana, não era um retrato, era uma paisagem. Num canto dessa foto um engraxate dá polimento à botina de seu cliente, não é possível identificar traços fisionômicos dessas personagens, o que atesta não se tratar de retrato.

O primeiro retrato, de fato, foi um autorretrato, realizado por Robert Cornelius, um jovem guapo que posicionou seu daguerreótipo na calçada, em frente à loja da família, e permaneceu diante da objetiva por 10 ou 15 minutos para se perpetuar num selfie-portrait.

Autorretrato de Robert Cornelius, Filadélfia, 1839

O pintor holandês Vincent Van Gogh produziu mais de 40 autorretratos, usava esse tema para aprimorar sua técnica e como terapia de autoconhecimento.

A selfie, enquanto tema fotográfico, vaidosamente inaugurado na Filadélfia em 1839, foi cultivado ao longo de toda história e, 182 anos depois de Cornelius, transformou-se em pandemia.

Na era do celular e das mídias sociais, o autorretrato ganhou valor nunca antes alcançado. Retrato não é coisa pouca, está estampado no documento e no porta-retrato em cima da cômoda da sala, no criado-mudo, espalhados pela casa toda. Para que a gente não saia de casa sem eles, levamos nossos amores na carteira, ainda que na diminuta versão 3×4. Há quem tatue na pele o retrato do ente querido para que não saia de perto nem na hora do banho.

Esteja certo de que sua imagem digital, cuidadosamente selecionada para o seu perfil, acaba sendo mais vista do que sua imagem real. Portanto cuide bem do seu retrato. Ele, sobreviverá.

 

> Mário Lúcio Sapucahy é repórter fotográfico e Doutor em Geografia; sua foto de perfil nas mídias sociais é um desenho elaborado digitalmente a partir de uma foto feita por Helena Dinamarco em fevereiro de 2012.

 

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