Penélope, 40 dias de vida, com todas as regalias de um bebê humano: mas é uma linda cachorrinha. Foto / Bianca Pineiro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Foi uma discussão feia que eu acabei, entre aspas, “presenciando” em uma rede social, por conta de uma pessoa ter postado a foto do seu cachorro com os dizeres: “não nasceu de mim, mas é meu filho”.

Os comentários no post começaram amorosos, mas de repente alguém puxou a faca e disse que era um absurdo escrever aquilo, que não tinha cabimento alguém comparar ter um filho a ter um cachorro.

Eu achei desnecessário o comentário porque sabemos que o amor que sentimos pelos nossos bichinhos é tanto que nos tornamos mães deles, no sentido de cuidar e amar.

Porém, deu para perceber durante a discussão que não é bem assim que as pessoas pensam, não. Essas mulheres acreditam realmente que ter um cachorro é igualzinho a ter um filho.

E foi então que eu decidi meter o bedelho nessa situação, mas não lá na rede social, com o circo pegando fogo. Achei melhor colocar os pingos nos “is” aqui mesmo, na minha coluna que fala sobre pets.

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Não mesmo

E para começar vou logo falando: Não, definitivamente, ter um animal de estimação não faz de você uma mãe.

Sei bem que muitos vão contestar essa minha afirmação porque existe um número considerável de casais que escolheram ter pets ao invés de filhos, e de pessoas que conquistaram uma certa independência financeira e acreditam que ter um animal de estimação faz delas mães ou, até mesmo, pais solos.

Manu, de vestido e chupeta: mas continua sendo uma cachorrinha fofa. Foto / Aline Costa

Em suas casas, nas fotos dos porta-retratos ou mesmo nos protetores de telas de seus celulares, computadores e notebooks, lá estão os pets junto ao casal, como se fossem os filhos, ou grudadinhos, face a face, com a mamãe ou o papai. E são essas mesmas pessoas que reclamam seus direitos quando das comemorações do Dia da Mães.

Nessa data, as redes sociais ficam abarrotadas de fotos de mulheres junto a seus pets com legendas do tipo: “hoje também é meu dia”. Recentemente, choveu foto de animais de estimação com os brinquedos que ganharam no Dia das Crianças. E por que não? Se eles são os filhos, são também as crianças da casa, oras!

É muita fofura, mas não é seu filho. Foto / Elena Rogulina/Pixabay

Um pouco de luz

No entanto, essas novas configurações de “família” que estão se tornando cada vez mais comuns, para alguns profissionais da área da psicologia beiram o exagero, uma forma de se ludibriar em relação a ter filhos, ou mesmo de tentar mascarar um sentimento de egoísmo.

Na verdade, eu não estou aqui para julgar ninguém, afinal de contas, quem sou eu, não é mesmo? Mas como já disse lá em cima, vou levantar algumas situações que talvez ajudem a colocar um pouco mais de luz sobre essa questão.

Por exemplo: quando você vai viajar seu bichinho de estimação fica num hotelzinho, na casa de um familiar ou amigo de confiança, ou você pede para alguém visitar a sua casa algumas vezes ao dia para lhe dar comida e fazer um pouco de companhia.

Com um filho humano, que ainda não tenha qualquer independência, ou você o leva para a viagem, ou você simplesmente não viaja.

Não tem hotelzinho, não tem amigo, e não tem como deixá-lo sozinho e pedir para alguém alimentá-lo duas vezes ao dia. No máximo, se for uma viagem a trabalho, sua mãe ou sua sogra pode quebrar o galho, desde que não vire rotina.

E tem mais uma coisa: na maioria das vezes, as viagens são marcadas em função dos filhos, do que eles realmente vão gostar. Eles estão totalmente dentro do contexto da viagem, e não fora.

Outra situação: se a sua cachorrinha ou gatinha ficar grávida você vai cuidar dela sem qualquer preocupação com o seu trabalho. Até porque, nem eu, nem você, nem ninguém tem conhecimento de alguma mulher que tenha sido demitida por ter uma cachorra ou gatinha grávida.

Em compensação, aposto que você já viu ou já soube de várias mulheres que foram demitidas tão logo voltaram da licença maternidade. Aliás, passaram uma gravidez inteira preocupadas com o retorno ao trabalho.

Por falar nisso, você já ouviu alguém perguntando em uma entrevista de emprego se a mulher tem algum animal de estimação e se ela tem com quem deixá-lo enquanto estiver trabalhando?

Aliás, você já viu algum filhotinho ser discriminado por não ter um pai? E uma pessoa perder uma proposta de trabalho por que adotou um cachorro?

Não. A resposta é não para todas essas perguntas. Porém, substitua o bicho de estimação que você considera filho por um filho humano e você vai ver que tudo muda no mundo para a mulher, absolutamente tudo.

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Insubstituível

Mas existem algumas situações que as mães e pais de pets levam vantagem. Eles nunca, por exemplo, vão se preocupar com seus “filhos” querendo ir para uma balada, uma festa rave ou um show.

Também não vão se preocupar se eles estão bebendo, se drogando, se estão se prevenindo para não engravidar ou engravidarem, sequer vão perder o sono pensando em tudo isso e esperando eles chegarem, o que acontece geralmente ao amanhecer.

Nada disso faz parte do universo do filho pet. No máximo um chinelo comido, papéis higiênicos pelo chão, móveis roídos, xixi fora do lugar, cocô na cama, um probleminha de saúde aqui e outro ali.

E quer saber do que mais? Mesmo com toda essa carga emocional, todo esse trabalho e tanta preocupação que os filhos humanos dão, as mães continuam amando-os profundamente. E esse amor continua intacto e tão grande quanto, mesmo quando ela já for velhinha e o seu filho, um idoso.

É um sentimento tão contínuo que não tem parênteses, nem ponto, no máximo uma vírgula aqui e outra ali para aparar umas arestas.

Sem desmerecer o imenso e profundo amor que os tutores sentem por seus pets, nunca esse vínculo será tão forte e profundo quanto o de uma mãe com o seu filho.

Sim, podemos chamá-los de “meu bebê”, tratá-los como filhos, considerá-los filhos, porque isso faz muito bem pra gente e para o animal também, claro! Eu mesma chamo o meu cachorro de bebê e tenho por ele um amor tão imenso que não cabe no meu peito.

Mas veja bem, já senti isso por um outro cachorro que tive antes desse, e que morreu de velhice. E talvez –por gostar tanto de cachorros– eu vá ter novamente esse sentimento por um outro quando o meu partir e, lá na frente, eu me encher de coragem para ter um novo cachorro.

Filho é filho e cachorro é cachorro. Foto / Lixyee/Pixabay

Com filho isso nunca vai existir. Se o filho partir, não existe absolutamente nada nesse mundo que substitua esse amor. Nada.

Nem o amor dos outros filhos que ficaram e nem se a pessoa engravidar e tiver um outro filho, porque não existe filho novo para substituir o que se foi. Nada. Nadinha substitui o imenso vazio que fica na vida de quem perde um filho.

Portanto, definitivamente não, você não é mãe do seu bicho de estimação, a não ser que seja pelo imenso carinho que essa palavra carrega, aí sim. Nesse ponto podemos concordar plenamente.

Mas acreditar ser verdadeiramente mãe de um cachorro ou gato é um desrespeito às mulheres e aos homens (sim, tem muito homem cuidando de filhos hoje em dia) que se desgastam, se desdobram e se acabam nessa função.

E acredite: sem hotelzinho, sem comida pronta e ensacada, sem férias solo, na verdade, sem um minuto sequer de sossego. Simplesmente porque depois que se tem um filho não existe mais eu, e sim nós.

Portanto, para você minha amiga e meu amigo que acreditam que o seu animal de estimação é seu legítimo filho, eu só tenho uma coisa a dizer: Menos, bem, bem menos, ok?

Adote

> Edna Petri é jornalista (MTb nº 13.654) há 39 anos e pós-graduada em Comunicação e Marketing. Mora na Vila Ema há 20 anos, ama os animais e adora falar sobre eles.

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