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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

O Brasil é um país racista? Sim.

O Brasil é um país homofóbico? Sim.

Então todo cidadão brasileiro é racista e homofóbico? Não.

Que tal a gente tentar separar o que é justo e positivo do que é excessivo e injusto?

Sobre o racismo

O Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravidão como política de Estado. E mesmo assim, a aboliu no papel, em 1888, porém não substituiu a abolição por uma nova política de Estado que incorporasse direitos aos que foram escravos para equipará-los ao restante da população que, vamos reconhecer, também não era tão livre assim quando se tratava do cidadão comum em relação à elite econômica e política.

Assim, de um dia para o outro, negros analfabetos, sem profissão definida, sem casa para morar, sem renda, sem uma base de apoio substancial na classe política, saíram diretamente das senzalas para as ruas, onde teriam que lutar pela sobrevivência. Sem contar os que preferiram continuar nas senzalas “protegidos” pelos seus antigos donos, mas agora tendo que pagar pela hospedagem e alimentação com o suor do trabalho mal remunerado. Quem não conseguia trabalhar –idosos e crianças–, que se virasse.

As décadas foram passando e quase nada foi feito pelos sucessivos governos para reduzir a distância entre a sociedade e os que eram cativos e foram transformados em cidadãos apenas no papel. Essa enorme parcela da população, que na época da escravidão era maior que a própria população branca e livre em uma cidade como o Rio de Janeiro, capital do país, ocupou cortiços imundos, depois invadiu os morros, transformou barracos em favelas e sempre viveu à margem das leis, dos benefícios, do acesso à educação e à saúde e, principalmente, do respeito que merecia como cidadãos brasileiros.

É óbvio que seria criado um fosso entre negros e brancos difícil de ser eliminado ou, pelo menos, reduzido. É por isso que os esforços atuais devem ser aplaudidos: rigor na Justiça para punir casos comprovados de racismo, políticas afirmativas e compensatórias para abrir espaço aos negros e seus descendentes no mercado de trabalho, nas faculdades, no acesso aos serviços públicos, entre outras intervenções do Estado, devem ser aplaudidas.

É claro que cabe à própria sociedade compreender que, paralelamente à questão racial, segue a questão de classe social. Ou seja, um branco pobre não é tão menos discriminado quanto um negro pobre nas mesmas condições que ele. Portanto, é preciso cuidado para que, em nome dos direitos da população negra, não se promova uma discriminação da população branca e pobre.

O Brasil só será um país justo e desenvolvido quando as portas para uma vida digna e cheia de oportunidades estiverem abertas igualmente para todos, sem distinção de raça e condição social.

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Sobre a homofobia

Se o racismo recaiu sobre um enorme contingente da população brasileira desde 1888 e chegou até os dias atuais, a discriminação por orientação sexual, pelo menos no seu lado visível, é mais recente. E por quê? Porque essa parcela da população viveu nos subterrâneos da sociedade durante séculos, sem o direito de se expor, com poucas e corajosas exceções.

Os homossexuais, bissexuais e demais gêneros, alguns que só recentemente viemos a conhecer pelo nome e, muito lentamente, reconhecer, sempre viveram em seus guetos, escondidos, humilhados e sem nenhum direito constitucional.

A partir das décadas de 50 e 60 do século passado, variando de país para país e sabendo-se que em alguns países, mesmo nos dias de hoje, quase não se saiu do zero, movimentos pelos direitos dos homossexuais começaram a eclodir e, pouco a pouco, foram ganhando espaço e reconhecimento.

Hoje, pode-se dizer que a luta pelos direitos dos diversos gêneros e orientações sexuais existentes na sociedade brasileira é muito mais vitoriosa que a luta contra o racismo. Talvez porque, ao sofrerem uma discriminação mais aberta que a discriminação velada contra os negros, seus integrantes têm lutado com muito mais garra e coragem pelos seus direitos. Afinal, eles têm que exigir muito mais que seus direitos básicos, pois ainda precisam se proteger da violência que muitas vezes leva ao puro e simples extermínio, à morte.

Hoje, qualquer cidadão sabe que homofobia é crime. E qualquer autoridade –mesmo de “nariz torcido”– está consciente das punições a que estão sujeitos os homofóbicos de plantão.

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Sobre a “indústria”

Foi preciso usar 727 palavras até aqui, com seus 4.402 caracteres, para reconhecermos os legítimos –e urgentes– direitos de negros e pessoas de outros gêneros e orientações sexuais. Quando conseguirmos enxergar essas duas enormes parcelas da população com exatamente os mesmos direitos que todo cidadão brasileiro, aí sim poderemos dizer que o Brasil é um país moderno e socialmente desenvolvido.

Mas… e o outro lado? Sim, porque sempre existe um outro lado das coisas.

Vamos começar com a discriminação por gênero. É claro que as pessoas devem respeitar os direitos de todos os gêneros. Mas isso não significa que devam apoiar, incentivar ou simplesmente aderir a eles. Até porque se um homem gosta de homem, quase sempre ele não gosta de mulher; e se um homem gosta de mulher, quase sempre ele não gosta de homem. Natural.

Então, se um homossexual, por exemplo, pode dizer por que motivo ele, pessoalmente, não admira, não simpatiza ou até não pretende conviver no mesmo grupo de um heterossexual, é evidente que o inverso também é válido.

Respeitar direitos iguais para todos não faz todos iguais, só faz diferentes admitirem e respeitarem outros diferentes. Mas cada um continua tendo o direito de expressar o que pensa, desde que não viole a lei.

A última polêmica envolvendo um atleta de voleibol e uma obra de ficção em que um suposto filho de um suposto super-herói é bissexual, mostrou o quanto a prática do “cancelamento” de pessoas, que as mídias sociais trouxeram para a vida moderna, pode ser cruel.

Se o atleta exagerou na opinião que emitiu, que os ofendidos o processem e ele vai ter o direito de defesa na Justiça. Se não for bem-sucedido, será condenado. Mas o que aconteceu foi um verdadeiro massacre partindo do seu empregador, das empresas patrocinadoras do seu empregador, de atletas e de uma esmagadora pressão exercida por não heterossexuais. Ou seja, esqueceram a Justiça e partiram para o linchamento virtual puro e simples, mais ou menos como os gays eram linchados não virtualmente –muitos ainda são– antes de terem seus direitos reconhecidos.

Quanto ao racismo, a indústria se manifesta também pelo exagero no combate aos supostos adversários. O estudante negro foi mal na prova? Racismo do sistema educacional dominado pela elite branca. Não conseguiu o emprego? Racismo para proteger o candidato branco. O atleta não foi convocado para a seleção? Racismo.

Chamou atenção, em notícia publicada nestes dias no portal UOL, o argumento usado pelo cantor/ator negro Seu Jorge, que fez o papel de Carlos Marighela no filme dirigido pelo ator/diretor branco Wagner Moura, para se defender das críticas ao filme vindas de jornalistas especializados em cinema. É racismo, garantiu Seu Jorge.

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Menos…

O Brasil só será um país justo quando as leis garantirem os mesmos direitos para todos. Penso que estamos evoluindo rapidamente nessa direção. É claro que temos uma dívida enorme para pagar com os descendentes de escravos… é claro que temos urgência em garantir segurança e direitos para os que decidem seguir outra orientação sexual…

Mas isso não pode acontecer por meio do cancelamento da população branca, heterossexual, conservadora ou até radical. O direito à livre expressão deve ser garantido como um dos mais fundamentais do ser humano. É o mesmo direito que grupos estão usando para “cancelar” pessoas, só que de forma injusta, cruel e violenta.

Sentiu-se ofendido? Procure a Justiça. Ela decide se o “ofensor” é culpado ou inocente e vai condená-lo ou absolvê-lo. Linchamento moral é tão condenável quanto racismo e homofobia.

Simples assim. Ou não?

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.