Foto / Mário Lúcio Sapucahy

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Ao lado de Região, Território e Lugar, a Paisagem é conceito-chave na Geografia, largamente utilizada no estudo das relações sociais e naturais.  Está presente também na Ecologia, no Urbanismo e nas Artes. Para o geógrafo luizense Aziz Ab’Saber, a paisagem é “herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades” (2003).

A complexa tecitura de processos geomorfológicos, climáticos, ecológicos e sociais provenientes do constante trabalho de natureza e civilização imprimem marcas visíveis que compõem aquilo que denominamos Paisagem. A Paisagem é o cenário da vida.

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A ideia de que a paisagem sempre esteve presente pode nos levar a acreditar que o termo seja tão antigo quanto os idiomas. Em verdade, sua primeira referência é do século IV, na China. Na Europa, o termo surge apenas no século XVI.

A participação da paisagem nas artes é também relativamente recente. Nenhuma representação da pré-história traz indícios do que poderíamos chamar de paisagem. A representação gráfica de animais foi identificada em pinturas rupestres em vários sítios mundo afora, mas não há registro algum que reúna os vários elementos que caracterizam uma paisagem.

Um painel nas ruínas do assentamento de Çatal Hüyükk (Turquia), datado entre 7100 e 5700 aC, tem sido apontado por alguns como a mais antiga representação de uma paisagem; há, porém, quem prefira identificá-lo como uma cartografia. O painel mostra as moradias do assentamento e o vulcão Haçane em erupção.

Painel encontrado no sítio arqueológico de Çatal Hüyük, Anatolia, Turquia, 7100-5700 aC. Foto / Reprodução

Tumbas no antigo Egito trazem representações que podem, ligeiramente, lembrar uma paisagem, mas tais pinturas tinham como objetivo inventariar o patrimônio amealhado em vida por aquele que ali repousa. Ainda que tragam alguns elementos presentes na paisagem, falta-lhes a configuração para serem consideradas uma paisagem.

“Lago no jardim”, afresco da tumba de Nebamun, Necrópolis de Tebas, 1350-1400 a.C. British Museum. Foto / Reprodução

O professor britânico Simon Schama, em sua obra “Paisagem e Memória” (1996), afirma que “para um romano, uma imagem aprazível era necessariamente aquela que havia sido formada, que trazia em si a marca civilizadora e frutífera do homem”. Afrescos na Vila Boscoreale (50-30), atingida pela mesma erupção que destruiu Pompeia, atestam essa preferência romana pela paisagem construída.

Afrescos na Vila Boscoreale, datado de 50-30 aC. Foto / Reprodução

A China cunhou o termo e introduziu pioneiramente a paisagem na pintura. O pintor e filósofo Zong Bing (375-443) é autor do primeiro registro teórico dedicado à pintura de paisagem. Nesse texto, paisagem é escrita como na língua moderna chinesa: shanshui, termo formado pelas palavras montanha (shan) e água (shui). O estilo shanshui é composto por três elementos: a montanha, a água e o caminho.

“Passeando na Primavera”, obra de Zhan Ziqian China, 581-618. Foto / Reprodução

Como a chinesa, a arte muçulmana também antecede a ocidental na representação da paisagem. Apesar de ser considerada como uma arte não figurativa, ela traz sim exemplos de paisagens, incluindo a tapeçaria que, com frequência, representam os elementos de um jardim ou de um oásis.

“O poeta Sa’di em conversa com um jovem amigo no jardim”, anônimo, 1427. Foto / Reprodução

Na arte bizantina, de caráter estritamente religioso, a paisagem é raríssima. O fundo dourado é frequentemente usado como forma de realçar o valor das figuras santas. Giotto (1267-1337) se afasta dessa tradição, em suas obras o fundo dourado é substituído por paisagens. Em “Fuga para o Egito” pintado na “Capela degli Scrovegni”, em Paduá, a paisagem agreste e montanhosa ajuda a compor um cenário de perigo à fuga da sagrada família.

“Fuga para o Egito”, Giotto, Capela dos Scrovegni, Pádua, Itália, 1303-6. Foto / Reprodução

 

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A carta do Monte Ventoso

Francesco Petrarca (1304-1374), intelectual e humanista italiano que viveu o final da Idade Média e a emergência do Renascimento, é autor da “Carta do Monte Ventoso”, apontada por historiadores como um texto pioneiro na introdução da paisagem nas artes. Teria sido ele o primeiro a descrever a experiência paisagística no sentido da contemplação desinteressada do alto, do panorama natural aberto ao olhar.

Do ponto de vista da história das concepções da natureza, bem como das relações práticas que o homem mantém com o mundo visível, essa sua abordagem trazia o traço da modernidade. “Petrarca teria posto em evidência a postura moderna do olhar direto sobre o mundo, aquela da secularização da curiosidade, voltando, por assim dizer, à autópsia da natureza, um olhar até então dirigido aos livros” – (Buckhardt apud BESSE, 2003).

O Renascimento, tema para um texto futuro, propiciou condições para que a paisagem ocupasse lugar de maior destaque na arte ocidental.

Paisagem é muito mais que um quadro na parede, ela diz muito sobre a qualidade do ambiente que vivemos e sobre nossa relação afetiva com os lugares a que pertencemos.

 

> Mário Lúcio Sapucahy é repórter fotográfico e doutor em Geografia.

 

Referência

AB’SABER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

BESSE, Jean-Marc. Ver a Terra: seis ensaios sobre a paisagem e a Geografia São Paulo: Perspectiva, 2006.

PIMENTA, Emanuel Dimas de Melo. A desintegração da Paisagem: Filipe II, Petrarca e os Astronautas. 2009.

SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

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EXPOSIÇÃO

Gravador Fabio Sapede abre exposição Atlântica[o], em São Sebastião

O encantamento, o vigor e o mistério do mar e da floresta são os temas explorados por Fabio Sapede em Atlântica[o], exposição a ser aberta na próxima sexta-feira (17), na Casa da Cultura de São Sebastião.

Fundador do ateliê de gravuras De Etser, em São José dos Campos, ao lado de George Gütlich, Fabio Sapede há vários anos envolveu-se com a poética da Mata Atlântica, sua neblina, sua umidade, paisagens intimamente interligadas aos ritmos céleres do oceano que lhe empresta o nome. O resultado são algumas visões muito originais e viscerais desse universo natural. “A vida vegetal, instaurada entre mar e rocha, é adorada em aquarelas e gravuras. Água e pedras: doçura e força que sublimam em bromélias”, escreveu George Gütlich ao apresentar Atlântica[o].

Fabio selecionou trabalhos de gravura em metal, litogravuras e xilogravuras, além de aquarelas, todos com essa alma de dimensão atlântica. Uma das gravuras expostas carrega outros símbolos: retratos de uma verdadeira viagem pela paisagem do litoral a Campos do Jordão, em frames que se interligam como um cipoal, foram escavados por Fabio e George ao longo de um tronco de uma árvore caída no Museu Casa da Xilogravura, em Campos do Jordão.

Serão expostas também ferramentas usualmente usadas em um ateliê: berceau, ponta seca, brunidor, bem como um conjunto de matrizes. Fabio conhece bem a rotina dos ateliês de gravura e pode ser visto sempre manipulando com paixão as prensas do De Etser. Ou na orientação de alunos no Ateliê de Artes Visuais Johann Gütlich, equipamento da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), onde é professor.

No ambiente da exposição, um vídeo vai mostrar em detalhes algumas técnicas de gravura.

 

Atlântica[o]

Abertura – 17 de dezembro de 2021, das 19h às 20h

Visitação – 18 de dezembro a 2 de março de 2022. De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h; sábados e domingos, das 14h às 20h

Local – Casa da Cultura de São Sebastião – avenida Dr. Altino Arantes, 174 – Centro Histórico