De uma mudinha de araucária, curi guria ainda, fiz nossa árvore de Natal. Saquei-a da sacada e, fantasiada, tornou-se a peça principal da sala. Pendurei bolas vermelhas, duas apenas, pois ainda muito jovem, não suportaria mais que isso, e duas já é suficiente para celebrar a Natividade. A economia é hábito autossustentável.
Essa curizinha, de bolas carmins em balanço, me fez ressuscitar e reeditar um texto que acompanha álbum dedicado a essa brava espécie e inaugura nessa coluna um viés ambientalista, hábito desse mestiço de fotógrafo com geógrafo que mal consigo disfarçar, e sequer tento.
Tratemos, pois, dela: a Araucária.
É uma anciã nesse velho planeta, sua origem remonta à Era Mesozoica, falamos então de duzentos e cinquenta milhões de anos. Foi testemunha da expansão, domínio e extinção dos dinossauros e a eles, heroicamente, sobreviveu. Atualmente o gênero Araucaria está disperso pela Oceania, Ásia e América do Sul. Por aqui temos a espécie araucana no Chile e Argentina e a angustifolia dispersa por vastas regiões no Brasil e Argentina. Os tupis a chamavam curi ou curiuva; na língua portuguesa, além de araucária, é popularmente conhecida também por pinheiro-do-paraná, pinheiro-brasileiro e ainda outros nomes menos usuais.
Majestosa, eleva-se sobranceira, garantindo para si toda a luz possível, em razão do que os botânicos a qualificam como uma heliófita. A estrutura da sua copa é sua marca registrada; os galhos se distribuem de forma radial partindo todos de um mesmo nível, galhos mais velhos e maiores abaixo e galhos mais jovens e menores acima, conferindo à copa seu formato de candelabro. Os anéis de distribuição dos galhos são chamados de verticilos, formados ano a ano, seu número é revelador da sua idade.
As folhas, duras como escamas, são pungentes e dispostas nos galhos de forma espiralada. As grimpas são os galhos finais aos quais se prendem as folhas; secos, são usados nas regiões serranas para prender fogo no fogão a lenha.
O pinhão é sustento para diversas espécies da mata como o quati, a paca, o ouriço, o serelepe, a capivara, o bugio, o porco-do-mato, a gralha-azul e vários insetos. A cotia, o tucano, a gralha-picaça, o tiriba e o papagaio-de-peito-roxo, com o hábito de enterrar as sementes, cumprem importante papel ecológico na manutenção da araucária. A espécie humana também se beneficia com a comercialização do pinhão, a produção nacional atinge 9,5 mil toneladas por inverno.
O estrato superior da Mata de Araucária é dominado exclusivamente pela araucária. A canela e a imbuia são duas das espécies presentes no estrato médio; no sub-bosque, ou estrato arbustivo, encontram-se o xaxim e a erva-mate, entre outras espécies.
A Mata de Araucária foi reduzida a apenas 1,2% da área original, e está na triste condição de ambiente mais ameaçado de extinção do Brasil. Os poucos refúgios que ainda persistem estão precariamente protegidos em 17 unidades de conservação que, juntas, somam 40,7 km2, o que representa míseros 0,2% das matas originais.
No próximo inverno as araucárias vão espocar seus pinhões pelas terras altas da Cordilheira da Mantiqueira. Talvez você coma alguns, talvez compre alguns; se comprar, não coma todos, reserve alguns e plante-os. E quem sabe depois de passar o Natal com sua família, talvez na sua sala, você retorne à serra e as devolva ao seu ambiente nativo e, dessa forma, possa prestar uma singela contribuição ecológica.
Neste Natal, desejo a todos Paz e Prosperidade, que em 2022 o ódio e a estupidez sejam reduzidos à insignificância.
> Mário Lúcio Sapucahy é repórter fotográfico e doutor em Geografia, tem por hábito produzir mudas de araucária na sacada de seu apartamento como forma de aplacar sua culpa por fazer parte de uma civilização tóxica.