Desde que me conheço por gente tenho responsabilidades e obrigações. Afinal, quem não tem? As minhas são tantas quanto as folhas amareladas a despencar todos os dias de duas árvores em frente de casa. Como por aqui os cenourinhas escassearam sob a administração do pretendente a um lugar mais alto no poleiro do poder político, faço minha a obrigação de juntá-las e deixar limpos passeio e meio-fio.
Às vezes, quando abro a cortina da sala antes das sete horas, dona Luzia, moradora quatro casas antes (ou depois, dependendo do sentido que se vá) da minha, do lado oposto da rua, já está varrendo o trecho e depositando as folhas num saco plástico para recolha pelo caminhão de lixo.
Certa vez quis saber da boa senhora por que, munida de uma vassoura e uma pazinha, abraçava a responsabilidade de juntar também as folhas do fronteiriço de casas 30, 40, 50 metros distantes da dela. E a despachadona mulher tascou num sotaque mineiro característico: “Faço porque gosto. Além disso, não me custa nada!”
E dei de pensar. O que minha vizinha faz pelo prazer de ver a rua limpa, muita gente por aí não faz de jeito nenhum. E ainda maldiz as árvores que produzem as folhas, o tempo que as amarelece e o vento que as espalha.
Acho que, pela experiência adquirida em outros tempos à frente de um restaurante de culinária típica do estado natal de Juscelino Kubitschek, anos atrás fui convidado para implantar idêntico negócio para um amigo. Uma responsabilidade!
Um ano depois, negócio bombando, o patrão/amigo não precisava mais de mim, mas não sabia como me descartar sem fissuras. Então, usou um ardil.
Sucessivamente, tão logo a comida era exposta à clientela numa chapa quente, para venda a quilo, o dito pegava um torresmo da vasilha, mostrava para mim e, sem ao menos dar uma mordida, dizia que estava bucha. Em outras palavras, sem crocância, difícil de mastigar, de deglutir…
Só captei a mensagem dias após. Se o carro-chefe daquela comidaiada não estava bom, imagine os outros pratos? E comecei a pensar se aquela montoeira de gente não estava indo lá por causa dos meus olhos cor de jabuticaba –ou pelas dezenas de pés da fruta existentes no local. Fui embora sem titubeio e o patrão ficou livre de mim. Simples assim!
Cabia a uma cozinheira do meu antigo negócio no pé da Mantiqueira, com expertise na culinária mineira (principalmente o torresmo crocante e sequinho), preparar os pratos em variedade.
Foi com ela que aprendi a preparar esse pedaço do porco que, sendo da barriga, não tem como errar. Até hoje assumo em casa a responsabilidade de fritar torresmo quando, no almoço em família aos domingos ou em ocasião especial, o tutu à mineira ou feijão tropeiro grita por um pururuca.
Há muito sou de pilotar uma panela com pedaços de toucinho e não me lembro de ter produzido buchas. Tive as primeiras lições com uma cozinheira que me ensinou a desligar o fogo quando os nacos de toucinho danam conversar entre si. Depois, é deixá-los descansar na mesma gordura antes de sapecá-los no óleo pelando, em pequenas porções.
Só tremi na base uma vez, quando, tempos atrás, aceitei do amigo Assis a incumbência de preparar uma torresmada como acompanhamento de uma feijoada que ele patrocinou para a família da Tavinha, sua mulher.
Os convivas eram em torno de setenta. E eu não podia servir bucha para aquela gentarada, concorda? Levei os danados previamente fritos, e terminei de fazê-los na chácara onde foi servido o almoço. Sucesso retumbante. Felizmente! Para mim e para os convidados do dileto casal.
Aliás, sobre tais petiscos, que o ex-vereador e ermitão de Jambeiro não me ouça (?) e por aqui, desta vez, não apareça. Explico. Devo-lhe uma panela cheia. Como o combinado não é caro, tenho a obrigação de pagar. Mas, por enquanto, vai valendo o ditado. Devo, não nego; pago quando puder.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.