Este mundo está tão maluco, mas tão maluco, que a cada dia surge uma nova historinha para a gente discutir até à exaustão. Com direito a discussões acaloradas nas redes sociais, opiniões definitivas e ódios mortais dos que não concordam com o que a gente pensa.
É o caso do episódio do Oscar, que chegou a ofuscar a guerra na Ucrânia durante um dia inteiro e ainda permanece na tal da mídia, inclusive neste artigo aqui.
Vamos rever os fatos e as reações sobre os fatos:
– O Oscar não é mais o mesmo. Não tem mais o brilho e a importância de antes, nem mesmo a audiência. Seria mais uma cerimônia modorrenta, com aquele ar de decadência. Será que não foi tudo uma encenação?
– Mas aí acontece uma agressão. Um tapa na capa. Ao vivo, poucos devem ter compreendido a cena. O tapa foi tão bem dado, os dois “atores” se movimentaram tão bem no mesmo espaço, que a primeira reação de quem vê é que o tapa fazia parte do roteiro da festa. Só pra dar uma esquentada.
– Mas, com o passar dos segundos após a bofetada, a reação do seleto público ali presente não foi a de divertimento e aplausos, foi de estupefação, de um grande susto.
– Daí por diante, como cavalos assustados das diligências dos filmes de faroeste, a cena desembestou a correr o mundo, com velocidade cada vez maior, até cair no abismo com Oscar, estatueta, Will, Chris e a sétima arte junto.
– Vejamos a cena pelo lado de Jada. Teve a decisão de raspar os cabelos por causa de uma alopecia autoimune (doença que provoca a queda deles) sem controle. Aí ela resolve prestigiar a festa do Oscar em que o maridão é candidato a melhor ator e descobre que ela e sua alopecia são uma das piadas da noite.
– Will, o marido bem-sucedido –apesar de alguns problemas conjugais com Jada ultimamente, o que absolutamente não é da conta de ninguém–, comparece à cerimônia com o prestígio de quem pode ganhar uma das estatuetas mais cobiçadas da noite e também se descobre sentado ao lado da piada, sua mulher e mãe de seus filhos. Uma piada para o mundo inteiro.
– Finalmente, tem o Chris. Piadista profissional, adepto da comédia stand-up, sabe que tem que provocar uma chuva de gargalhadas a cada frase, seu tempo é curto e a paciência do público em todo o planeta é pouca. Aí, em vez de falar de personagens ausentes, ele manda a cautela pro inferno e cita uma das convidadas, botando o dedo na sua ferida, quer dizer, na sua careca.
Pronto. Estava armada a cena que iria mover as conversas em inglês, francês, italiano, português, japonês, alemão, chinês etc. etc. desde o fato até agora quando eu escrevo esta crônica.
As reações
Qual deveria ser a reação de uma pessoa normal que vê o que viu, seja ao vivo ou depois, nas redes sociais? Primeiro: ver e nada mais. Segundo: procurar se informar sobre o que viu. Terceiro: procurar refletir sobre o que viu, antes de sair distribuindo sentenças por aí.
Mas não é o que acontece nesses casos. O povo quer linchar alguém. Quem?
– Vamos linchar o Will Smith? Vamos. Afinal, ele é um artista consagrado e experiente, é rico, está participando de um evento importante visto pelo mundo inteiro. Não pode agir como um descontrolado. Defesa do Will: você já teve alguém de sua família ridicularizado na sua frente?
– Vamos linchar a Jada Smith? Vamos. Ela, segundo diz a tal da mídia, andou tendo alguns deslizes conjugais com o marido Will. Ninguém mandou ela mesmo raspar a cabeça e virar motivo de piada. Artista é assim mesmo, entrou na chuva, tem que se molhar. Defesa da Jada: Ninguém tem nada a ver com os problemas conjugais deles, só o marido Will, nem mesmo os filhos. É sinal de coragem e dignidade quem consegue enfrentar seus problemas de saúde e tocar a vida para a frente.
– Vamos linchar o Chris Rock? Vamos. Quem ele pensa que é usando problemas de saúde de algumas pessoas para arrancar gargalhadas de outras? Ele não percebeu que foi reincidente, pois já fez uma outra piada pesada com Jada algum tempo atrás? Acha que no humor de hoje em dia vale tudo? Defesa do Chris: Nas cerimônias do Oscar são comuns as tiradas de humor ácido, afinal todos eles pertencem ao mesmo “clube”. A piada não foi ofensiva, afinal a Jada está bem de saúde e ficou até bonita com o cabelo raspado. Ele é um comediante, pô!!
Viu como existem ataques e defesas para os três personagens da nossa história? Cabe a nós, antes de sair, minutos depois de ver a cena, disparando post-tapas nos coleguinhas de Face, Insta, Twitter etc., deixar a poeira baixar, acompanhar os capítulos seguintes da “novela” e, finalmente, adotar uma opinião que contemple os prós e os contras de todos os envolvidos.
Isto vale para o catiripapo no Oscar, vale para a bandeira de Lula no Lollapalooza, vale para o bum-bum de fora da Anitta, para o morador de rua e o casal de Planaltina, para as crises políticas, para a derrota do nosso time no campeonato, para as vacinas, para a nossa vida e para a vida dos outros.
Todos salvos
Pouco mais de um dia depois do vexame mundial no Oscar, o que aconteceu?
– O Will se arrependeu profundamente do tapa em Chris, pediu desculpas ao agredido, pediu desculpas à tal academia que promove o Oscar, pediu desculpas à Humanidade que viu a cena.
– O Chris pediu desculpas ao Will, falou em amizade, família, respeito etc. etc. e sinalizou que vai ficar tudo bem entre os dois, como se nada tivesse acontecido.
– A Jada comportou-se como uma dama, não armou o barraco, ficou fria na situação e caso encerrado.
– A única nota destoante nesse final feliz foi um dos filhos do Will e da Jada, que disse mais ou menos o seguinte sobre o tapão do papi: “É assim que nós resolvemos essas coisas aqui na família”. Kakaka.
E você? E eu? E todo o mundo? Vamos ficar debatendo esse assunto como se estivéssemos em um tribunal, prontos para condenar, defender, propor penas? “Cancelar” os adversários?
É claro que não. No mundo ultrarrápido em que vivemos é importante dar tempo ao tempo, reunir mais informações e evitar o radicalismo. Porque sempre haverá um dia depois de outro, fatos novos virão à tona e as nossas convicções podem mudar.
Enfim, deixe a poeira baixar.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.