É impressionante como a sociedade tecnológica e capitalista que domina o mundo de hoje está conseguindo tornar obsoletas invenções e hábitos que até pouco tempo atrás seria impensável a gente abandonar.
A maioria das mudanças é positiva. Dá para citar, por exemplo, a tendência ao uso de meios alternativos de transporte, como a bicicleta. É um processo longo, mas estamos, aos poucos, deixando de ser dependentes do automóvel e percebendo que é melhor contar com um bom sistema de transporte público, um serviço do tipo “uber” que funcione, do que colocar mais um carro para entupir as ruas.
Mas existe uma invenção que está rolando ladeira abaixo e tudo indica que irá terminar na insignificância: o telefone. Isto mesmo, o velho telefone criado em 1876 por Alexander Graham Bell.
Foi uma inovação tão importante na época que, onze anos depois, em 1877, o primeiro aparelho foi instalado no Palácio Imperial de São Cristovão, no Rio de Janeiro, para atender ninguém menos que o imperador Dom Pedro II. A História não menciona quem teria instalado o segundo telefone no país, já que o imperador teria que falar com alguém para usar o tal aparelho. Mas isto é outra história… rsrs…
Lembro-me que, até a privatização da telefonia no Brasil, telefone era artigo de luxo, apesar de ser um item de máxima necessidade. Os privilegiados e orgulhosos proprietários declaravam suas linhas no Imposto de Renda, com direito a valorização de um ano para o outro.
Os pobres mortais que não possuíam um telefone eram obrigados a se inscrever nos chamados “planos de expansão”. Cada empresa concessionária que respondia pelo sistema de telefonia em um estado ou região inscrevia os candidatos, mas não se comprometia com prazo de instalação. Posso dizer que o “normal” era o cidadão esperar por no mínimo dois anos para ter o seu aparelho em casa ou na pequena empresa.
A opção, nos anos 70, era a central telefônica, onde o cidadão chegava, se dirigia a um guichê, pedia a sua ligação e sentava-se para esperar até que gritassem: “Fulanoooo… cabine 3!”. E lá ia o brasileiro, talvez levando em sua memória o slogan de um dos governos da época: “Ninguém segura este país”.
Outra opção, surgida já nos anos 80 e 90, era o aluguel de linhas telefônicas. Isto mesmo. Havia empresas e pessoas físicas que investiam seu dinheiro comprando linhas de pessoas em dificuldades e também se inscrevendo para receber várias linhas via planos de expansão. O cliente pagava mensalmente pela linha e vivia feliz… ou meio feliz… ou infeliz mesmo…
Em São José dos Campos, havia um empresário que, dizia-se, possuía mais de 800 linhas. Imagine o capital do sujeito, sabendo-se que uma linha, se a memória não me falha, custava, em dinheiro de hoje, entre R$ 4 mil e R$ 5 mil. Calculando por baixo, estamos falando em um patrimônio de mais de R$ 3 milhões em telefones.
Como “o mundo é dos espertos” e como todo malandro se acha muito esperto, eram comuns os golpes com o uso de telefones. Também em São José, um jovem que hoje seria chamado de “empreendedor”, que possuía sua empresa ali nas proximidades da rua Humaitá –onde estava a sede da Telesp– passou alguns anos alugando linhas. Ele pegava a minha linha, a alugava para quem precisava, recebia do locatário, pagava ao locador e ficava com algum no bolso.
Até que um dia, não mais que de repente, o jovem sumiu da cidade, ao mesmo tempo que estourava o golpe que causou prejuízo a centenas de pessoas. O malandro, em vez de alugar a linha do cliente, vendia a linha, recebia a grana e fingia que a locação estava normal. Até que, é claro, o plano começou a falhar e a solução foi a via Dutra, a fuga.
Este era o inferno em que o brasileiro vivia para ter o direito de se comunicar. Até que, no dia 29 de julho de 1998, foi feita a privatização da Telebrás, estatal que fingia administrar a bagunça que era a telefonia no Brasil. Depois de 12 leilões realizados na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, empresas privadas assumiram o negócio e as linhas e aparelhos telefônicos começaram a pular como pipoca na panela, para a alegria dos consumidores.
Hoje, 24 anos depois, não dá para reclamar da falta de oferta na telefonia celular e fixa no país, esta última quase em processo de extinção ou reservada às empresas. Mas é preciso dizer que o próprio uso do telefone está se tornando desnecessário e, em muitos casos, desaconselhável. Com as opções de comunicação entre as pessoas por meio do WhatsApp e de outros aplicativos de mensagens semelhantes, as pessoas se comunicam com quem desejam de forma rápida e eficiente. E os aplicativos têm muitas vantagens sobre o velho telefone.
No WhatsApp, você sabe com quem está falando, o aplicativo indica o número e mostra –quase sempre– a foto de quem está do outro lado. Isto sem falar nas mensagens em vídeo, aí sim uma conversa olho no olho. É claro que, como tudo nos dias de hoje, também esses aplicativos estão sendo atacados pelos pilantras que querem o nosso dinheiro ou coisas piores. Mas ainda é possível se defender disso.
Voltemos ao telefone e ao porquê de ele ser praticamente dispensável nos dias de hoje. 1 – Você não sabe de quem é a ligação; 2 – Não sabe se a pessoa do outro lado da linha é mesmo quem diz ser; 3 – Depois de atender “no escuro”, fica meio refém de quem está do outro lado, por exemplo, para lhe pedir uma doação para a Legião da Boa Vontade; 4 – Uma ligação telefônica pode ser muito cara, se for um código de área diferente do seu ou de celular para fixo e vice-versa.
Tem mais o seguinte e, para mim, o mais grave. É via telefone que empresas inidôneas, bancos sem ética, financeiras espertalhonas, entidades beneficentes –merecedoras ou fajutas– e malandros pessoa física em geral se unem para tentar te enganar ou somente te encher a paciência.
Vou encerrar com dois casos emblemáticos.
1 – Uma senhora de 86 anos, moradora no Bosque dos Eucaliptos, inteligente, bem informada, curiosa, mas evidentemente sentindo o peso da idade, é alvo frequente de “vendedores” de empréstimos consignados e outras “facilidades”. Mas o que a tem deixado à beira de um ataque de nervos têm sido as diversas ligações que recebe de pessoas fazendo sempre a mesma pergunta: “É da casa do César?”. Houve variações com os nomes de Douglas e Antonio Carlos. Resultado: a velhinha quer distância de ligação telefônica.
2 – Este segundo caso é meu mesmo. Sou vítima de ligações dos mais diversos “call centers”, de cidades tão distantes da nossa “Sanja” como Fortaleza e Curitiba, com as mais diversas bobagens. Pior é que se você atende, na maioria das vezes a ligação cai, porque é gerada por um sistema que faz várias ligações simultâneas e os pobres funcionários só conseguem completar algumas. Para você não dizer que eu estou reclamando à toa: nos últimos três dias úteis, recebi nada menos que 45 chamadas desse tipo, 14 na segunda-feira (2 de maio), 13 na sexta-feira (29 de abril) e 18 na quinta-feira (28). Ainda tenho conseguido controlar o meu sistema nervoso e simplesmente passar o dedo na tela do aparelho e desligar a chamada. Não sei até quando vou conseguir fica sem jogar o aparelho na primeira lata de lixo que encontrar.
Quem sofre o mesmo problema descrito no segundo caso sabe que não adianta recorrer àquele serviço de bloqueio de ligações indesejadas. Não funciona. Então, a minha estratégia contra esta gente é não atender nenhuma ligação com código que não seja o 12. Mesmo assim, algumas empresas conseguem colocar no seu visor um número de código 12, porém podem ser ligações de Caruaru, Ibitipoca, Potirendaba, Xique-Xique etc. etc.
O problema é que, ao não atender essas ligações e outras da quais desconfio, meu número, que é usado no meu negócio profissional, praticamente deixa de existir. Ou seja, tenho um número de celular, mas os problemas são tantos que o meu celular está praticamente desativado.
Fica uma dica. Quem quiser falar comigo, pode tentar me adicionar no WhatsApp, ou conhecer o meu e-mail, ou pesquisar no Facebook e enviar um recado via Messenger. Por telefone, não dá mais.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.