Início de um novo dia do distante ano de 1978 no Vale do Paraíba e Litoral Norte. Uma mensagem de telex, vinda da Casa Civil do Palácio dos Bandeirantes –a sede do Governo do Estado– chega à mesa do responsável pela Defesa Civil da cidadezinha de Tremembé, além de assessor do então prefeito Júlio Vieira, com o alerta da aproximação de um ciclone na região.
O prefeito age rapidamente e dá início a uma série de providências:
– Um alerta da Prefeitura é enviado aos diretores dos dois presídios instalados no município;
– As aulas nas escolas são suspensas;
– Os funcionários municipais que iriam trabalhar na zona rural conservando estradas são dispensados.
Na cidade vizinha, a grande Taubaté, não se sabe como a informação chegou à Rádio Cacique, uma das líderes de audiência da cidade. A notícia foi para o ar imediatamente, já com o nome de tufão para o fenômeno, com previsão de desabamentos, o que provocou, também em escolas taubateanas, a suspensão das aulas.
Igualmente não se sabe como a mesma interpretação do texto do telex emitido pela Casa Civil chegou ao município litorâneo de São Sebastião, gerando reações imediatas.
– No terminal marítimo Almirante Barroso, são tomadas medidas preventivas para a segurança das embarcações;
– O serviço de balsas que faz a travessia entre o continente e Ilhabela é posto de sobreaviso.
Fim do mundo? Tragédia? Realmente parecia que o mundo –ou pelo menos o Vale e o Litoral Norte– ia acabar.
A manhã se arrastou sob pesada expectativa, mas nada de anormal aconteceu. Até que as pessoas começaram a se recuperar do pânico, respirando fundo e buscando mais informações.
As novas informações chegaram. O 7º Distrito Meteorológico do Ministério da Agricultura, situado em Taubaté, explicou que a “notícia” havia sido mal interpretada. A previsão era de uma frente fria em São Paulo acompanhada de “ventos ciclônicos”. Explicando melhor, a encarregada da repartição foi além. Segundo ela, o “ciclone” que o serviço meteorológico previa é uma ocorrência comum, pois toda frente fria é acompanhada de um ciclone atmosférico, um vento comum.
Você, certamente, irá chamar o colunista de mentiroso. Eu também chamaria se eu mesmo não tivesse trabalhado na apuração das informações lá naquele 1978, há 44 anos, que se transformaram em notícia publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, que na época era o grande “Estadão”, o jornal mais influente e respeitado do país.
Como um simples telex gerou uma encrenca gigantesca em Tremembé? Como escolas suspenderam as aulas em Taubaté após a notícia da Rádio Cacique? Como isto tudo chegou a São Sebastião e provocou medidas de segurança em um dos portos mais importantes do país? Como é que ninguém se aprofundou na checagem com os institutos de meteorologia para desfazer o mal-entendido?
Aí eu confesso que vou usar a mesma expressão do Chicó, o impagável personagem de “O Auto da Compadecida”, obra-prima do mestre Ariano Suassuna: “Só sei que foi assim”.
Quem conta um conto…
A história do boato de tufão no Vale e Litoral veio à minha lembrança por causa das previsões da meteorologia para os próximos 15 dias em quase todo o país. Fala-se na imprensa que esta pode ser uma das mais intensas ondas de frio deste século no Brasil.
Em um grupo de WhatsApp do qual participo foi publicado vídeo contendo uma animação sobre o avanço da frente fria no Brasil, acompanhado de uma narração do tipo “filme de terror”. Quem assiste e se dá por satisfeito, certamente começa a pensar em se enfiar em uma gruta ou caverna para escapar da tragédia anunciada.
Talvez não seja necessário. O mesmo assunto, quando abordado por sites de jornais e revistas mais respeitados, mostra tudo o que pode acontecer até o final deste mês de maio, porém sem sensacionalismo. Já fica menos grave.
E quanto mais você for acessando fontes de informação especializadas, a tendência é que fique menos apavorado e mais bem-informado. Afinal, como diz o ditado, “quem conta um conto, aumenta um ponto” e, se você se basear na “rádio povão”, o que é um vento ciclônico vai virar um ciclone, daí vai passar a um tufão, a um furacão e assim por diante.
Vou encerrar com a frase de uma amiga –amiga de amizade e do meu grupo no WhatsApp– quando foi postado lá o vídeo amedrontador:
–– Eu já acho que é achismo puro… olha essa matéria do ano passado [postou lá], é sempre a mais intensa, é sempre a pior, é sempre… vai fazer sim, muito frio, mas eles sempre exageram…
Bom, acho que nesta sociedade da tecnologia da informação em que vivemos, quando quase tudo está disponível para ser consultado, a chance de repetição da “comédia” do tufão de 44 anos atrás é zero. Afinal, estamos a um clique deste quase tudo.
E tem mais. Nada melhor que a nossa experiência pessoal. “Ver com estes olhos que a terra há de comer”, como se dizia antigamente, é uma boa solução para você não embarcar em boatos, fake news e histerias coletivas.
Neste momento em que faço batucada nas teclas do computador para “cometer” mais este texto, são 12h55 de terça-feira e até agora nenhuma catástrofe. Apenas o ar um pouco mais frio, apesar do Sol brilhando. Como será amanhã, quarta-feira, quando as previsões falam em mínima de 6°C na cidade de São Paulo, neve no Sul e até uma inédita “chuva congelante”?
Só vendo. E vivendo…
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.