Há quase três décadas, quando saí do Jardim Paulista para morar no Bosque dos Eucaliptos, na Zona Sul de São José dos Campos, encontrei no novo endereço uma vizinha agitada e tagarela: a feira-livre.
Como gosto de um agito e de uma boa prosa, adaptei-me facilmente à zoeira da vizinha e, desde então, para mim, toda sexta-feira é dia de ir à feira, onde gasto meu parco dinheiro comprando frutas, verduras e legumes; e saliva, batendo papo com os amigos e conhecidos. Realizada numa transversal à rua em que moro, a feira dista uns cem metros de minha casa, ou seja, quase no meu quintal.
É madrugadinha, o sol nem acariciou o dia e começa o alarido dos feirantes, que chegam quase na mesma hora em veículos velhos e fumacentos para montar suas barracas com incrível destreza.
A peleja é contra o relógio, pois aos primeiros raios de sol a clientela começa a chegar ávida por produtos frescos ou o que mais precise. Pode ser uma luva de lã para aquecer as mãos neste inverno, uma raiz milagrosa para curar a dor nas juntas ou um novo cabo para a panela velha –que também faz comida boa, como diz o sertanejo Sérgio Reis.
Enquanto erguem as barracas e ajeitam a mercadoria, conversam como maritacas. Assunto não falta. É o gol anulado pelo juiz (sempre) ladrão, os números da mais recente pesquisa eleitoral, a tatuagem no furico da funkeira. Até o arranca-rabo dos vizinhos, que deu polícia, entra no balaio das confabulações.
Barracas montadas e produtos expostos, os comerciantes se entregam a recitar uma alegre e cativante saudação ante o vaivém dos fregueses. “Bom dia freguesia, tudo barato e fresquinho pra dona de casa levar de bacia!”, repete um deles, como um refrão.
Diz a lenda que feira-livre é coisa de 500 anos antes de Cristo, vinda do Oriente Médio de braços dados com a religião. Originária do latim “feria”, quer dizer feriado ou dia santo.
O termo freguês procede do também latim “filii ecclesiae”, ou filhos da igreja. Não convém remoer, mas faz sentido.
Seja qual for a definição, para mim feira-livre também é lugar de conversar, destilar a bílis contra o governo (qualquer um), cultivar novas amizades e sedimentar as antigas.
Nunca deixo de ir à feira-livre perto de casa nem que seja para andar à toa distribuindo bom dia a torto e a direito para amigos, vizinhos e conhecidos. É quando os vejo e eles a mim. Não nego que aproveito para degustar um pastel. Quer petisco melhor que pastel de feira?
Como todo mundo, durante a pandemia do coronavírus passei bom tempo em casa, escondido do impiedoso vírus. Naquele período acho que fui à feira uma vez. Foi quando troquei meia dúzia de futilidades com o Chico dos Crentes, o Bento, a dona Clarice; cumprimentei gordos e magros, pretos e brancos, Joões e Marias.
Estavam todos mascarados, o que me fez confundir o Toninho com o Nelsinho. Putz, que mancada! Pedi desculpas e continuei no burburinho da feira.
Adiante topei com o Quinzinho esperando a moeção de dois quilos de café em grãos. Sabedor de sua fama de loroteiro, dele desvencilhei-me com alguma classe, pois, também sumido por causa da pandemia, por certo tinha longa fieira de abobrinhas para desfiar.
Acuado pelo vírus chinês, lembro que naquele dia garanti o feijão fradinho para o baião de dois do almoço de domingo e o coco ralado para o doce de abóbora, e voltei apressado para casa. Até esqueci os pepinos.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.