−− Ó Portuga, este arroz está azedo! –reclamou em voz alta o mecânico. Pois é, o arroz que compunha a tal gororoba do português, do Posto do Michel, na avenida Nélson D´Ávila, em São José dos Campos, estava irremediavelmente estragado.
Eu, acostumado com a boa comida de casa, acabei por almoçar todos os dias no bar, junto dos mecânicos da firma, naquele ano de 1963. Explico melhor, papai era Diretor Administrativo da empresa Valmaq, concessionária DKW na cidade; estava aqui desde 1962, a família em São Paulo. Nas férias de julho de 1963 trouxe-me para ficar com ele e me pôs para trabalhar por uns dias na oficina.
Como era duro para um garoto de quinze anos, que nunca havia trabalhado, lavar peças na gasolina gelada às sete da manhã ou tirar os parafusos duros do motor! Como se não bastasse, almoçava no restaurante do Posto do Michel e encarava o arroz azedo. Papai, por sua vez, almoçava e jantava no excelente restaurante Bella Venezia, da família Asdente. O Michel Neme, dono do posto, de família conhecida em São José, alugava partes do prédio e vendia bananas noutra.
Diferentes foram aqueles dias, mas fiquei fascinado pela cidade, acolhedora, todo mundo se conhecia! Acredito que eu tenha um espírito interiorano atávico. Às noites de sábado ia com o Paulinho Arruda –filho do Noêmio Arruda, gerente do já extinto Banco do Vale do Paraíba– ao footing na rua Quinze de Novembro. Ruas fechadas, eram as moças passando, os rapazes geralmente parados nas calçadas, um flerte aqui, uma piscada ali, e toca coragem para a abordagem e talvez um namoro. Aí era seguir de mãos dadas, no fluxo, para a inveja dos remanescentes.
Nunca tinha visto nada assim na minha São Paulo. Achei muito bom. Íamos também ao Restaurante Santa Helena, ao Bar do Boneca, à Adega São Roque, à Bombonière Cruzeiro da rua Quinze de Novembro. Ou mesmo à bombonière da rua Sete de Setembro, hoje calçadão, cujo proprietário era o corintiano roxo Renato Costa Guimarães, primo em segundo grau do papai; seus filhos, o cantor Renato Gabbiani e a Maria Elisa, esposa do jornalista e escritor Luiz Paulo Costa.
Aliás, na rua Sete ficava a companhia telefônica, local aonde todos iam para fazer interurbanos para São Paulo, por meio das telefonistas. Era um tal de aguardar, que paciência! Perto ficava a casa do Pedro David e próximas as Lojas Savi (Savimodas, Savi Lar, Savi 3, São José e região, todo mundo é freguês!), do Saul Vieira.
Alguns jovens, isso em 1962, ainda usavam terno branco de linho. Certos iteanos (alunos do ITA), em eterno conflito com os moços da cidade, corriam das marias cebolas, que procuravam um bom casamento. O que é compreensível numa cidade acanhada, sem maiores horizontes até então.
Os taxis eram, em sua maioria, aqueles Morris, Austins e Prefects, invariavelmente pretos; o chofer Jaime é quem tinha um Chevrolet, acredito 1951, bem bonito, no ponto da Praça Cônego Lima ou Jardim da Preguiça (hoje não tem jardim, nem preguiça). O João Fonca, pai do saudoso Reinaldo e do Zeca Fonca, muito conhecido. Havia também o notório Bichinho, do ponto da Praça da Matriz, atualmente Praça Cônego João Marcondes Guimarães. Tudo sem prejuízo das charretes de aluguel, que iam do ponto da Caixa D’Água para a cidade, que bucólico. É o que me lembro.
A missa das dez horas, na matriz, era o ponto alto do domingo, com o conhecido Padre João, que advertia, bravo: –– Mulher de carça comprida não pode assistir à missa! Já aos sábados, o programa era ver filme no Cine Paratodos, desocupado hoje; ou de preferência no então Cine Palácio, situado no Jardim do Gregório ou Praça Afonso Pena, onde arriscava um flerte com uma bela jovem. Melancolicamente, virou um estacionamento.
Quando em janeiro de 1964 vim morar em São José, proveniente de São Paulo, foi essa cidade do interior que encontrei e adotei imediatamente, sentindo-me recepcionado e feliz. Acabei mais contente ainda ao receber o título de Cidadão Joseense, de que muito me orgulho.
Prometo voltar ao assunto em outras crônicas, porque são muito interessantes outros aspectos da cidade e de seu povo nessa época, não havendo espaço agora para contar tudo. No entanto, neste instante resta-me apenas dar graças a Deus por não comer mais a gororoba do português. Certo que nos bons restaurantes que agora existem somente vamos vez ou outra. Prefiro a comidinha caseira da mulher, que fique isto bem claro! Se não, corro o grande risco de ver o que é, na prática, o empoderamento de uma mulher joseense!
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.