O coração de Dom Pedro I está no Brasil como parte das comemorações dos 200 anos da Independência. Chegou num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) dia 22. Após cerimônia no Palácio do Planalto, o órgão foi exposto à visitação pública no Itamaraty, devendo retornar a Portugal no dia seguinte ao bicentenário.
Em 187 anos esta é a primeira vez que o coração do primeiro imperador do Brasil deixa Portugal, onde a Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, no Porto, o guarda desde a morte do monarca, em 1834. A igreja é a mesma em que Dona Maria II, sua filha e rainha na época, assistia às missas.
Filho de Dom João VI com Carlota Joaquina, o príncipe nasceu em 12 de outubro de 1798 no Palácio Real de Queluz, Portugal, onde o menino teve aulas de artes, línguas e letras. Tinha nove anos quando exilou-se no Brasil com a família real, passando a viver na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.
Dom João VI, tido como fraco e titubeante, veio com a família para o Brasil –que na época já era colônia de Portugal– fugindo da sanha expansionista de Napoleão Bonaparte. A viagem foi atabalhoada e caótica, sendo parte da comitiva hostilizada pelos súditos a caminho do porto.
Em sua adolescência, o príncipe era dado a atividades físicas e, até por conta disso, foi um bom cavaleiro; tinha crises de epilepsia, dizendo-se ainda dele que era hiperativo e que não gostava de estudar. Desenvolveu gosto pela música, tendo aprendido a tocar flauta e violino. Mais tarde fez a melodia do Hino da Independência, letra do poeta Evaristo da Veiga.
Casou-se em 1817 com Maria Leopoldina, filha do Imperador da Áustria, uma mulher elegante e requintada, cuja irmã tinha sido casada com Napoleão. Apesar de toda distinção, a mulher foi humilhada pelas muitas traições do marido, um mulherengo incorrigível. Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos, foi sua amante mais conhecida.
Pouco antes da proclamação da independência o romance com a marquesa veio a público e escandalizou a corte, sabendo-se por alguns historiadores que, ao mesmo tempo, Dom Pedro mantinha um caso com a irmã mais velha da amante.
Dom Pedro é visto pela historiadora Isabel Lustosa como um abolicionista à frente da elite brasileira do seu tempo. “Ele afrontou os valores da escravidão, combatendo com vigor o hábito de alguns funcionários públicos de mandar escravos para trabalhar em seu lugar e concedendo lotes aos escravos que libertou na Fazenda de Santa Cruz”, escreveu.
E continuou: “No Rio de Janeiro e na Bahia, onde os ricos circulavam em liteiras e qualquer pessoa que pudesse ter dois escravos tinha condições de se fazer transportar pelas ruas numa rede amarrada num pau que os escravos sustentavam nos ombros, Dom Pedro andava a cavalo ou circulava numa carruagem puxada por cavalos ou mulas e dirigida por ele mesmo; e, como foi visto, não permitiu que seus súditos lhe prestassem a homenagem tradicional de carregar sua carruagem nas costas por ocasião do Fico”.
Em abril de 1821 Dom Pedro foi nomeado príncipe regente com a volta do pai para Portugal. Já como governante do Brasil, no dia 9 de janeiro de 1822, diante da exigência para retornar ao seu país e das veladas intenções da Coroa de manter o Brasil sob domínio, do Paço Real o imperador dirigiu-se ao público garantindo sua permanência no Brasil, um agrado à elite brasileira, que não queria sua volta. O dia do Fico. No dia 7 de setembro de 1822, proclamou a Independência.
Dom Pedro I também outorgou a primeira Constituição do Brasil. Antes do Grito do Ipiranga, no dia 3 de junho de 1822, ele havia sinalizado com a ruptura ao convocar uma Assembleia Constituinte para escrever a Carta, mas a dissolveu porque os constituintes planejavam limitar seus poderes. No seu entendimento, a Carta devia agradar ao povo e ao imperador. Atribuída a um Conselho de Estado, a Constituição foi outorgada no dia 25 de março de 1824.
Em 1831, com a economia brasileira em frangalhos, o imperador abdicou do trono em favor do filho Pedro de Alcântara e voltou para Portugal, onde encetou guerra com o irmão mais velho, Miguel, pelo trono que ele achava por direito ser da filha, Maria da Glória, que tornou-se rainha com o nome de Dona Maria II. Morreu de tuberculose em 1834, aos 36 anos.
Alguns historiadores retratam Dom Pedro I como um homem rude e vil, mas é inegável sua importância no livramento do Brasil do jugo português sem grandes traumas, em que pese o seu forçado protagonismo.
Na efervescência política do momento, o coração de Dom Pedro I aguça a curiosidade, mas por si o bicentenário tem o condão de fazer do próximo 7 de setembro um dia especial, para cultivo de autênticas e puras brasilidades; esperança de paz para o Brasil e o brasileiro.
A propósito do tema, leia aqui “Enterrem de uma vez esse coração na curva do rio”, da jornalista Maria D’Arc, um texto com bom tempero e sagaz olhar crítico.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.