Nem é preciso esperar após o dia 2 de outubro para a gente fazer algumas reflexões sobre o Brasil, sobre o nosso sistema eleitoral e sobre por que estamos nesse passo de caranguejo rumo ao atraso em vez de seguirmos na direção certa.
Você já percebeu que quase nenhum candidato a cargo majoritário –presidente e governador– se deu ao trabalho de preparar um plano de governo? E se algum preparou, “esqueceu-se” de divulgar? Nem se pede muito: umas 10 ou 20 metas a serem alcançadas, mas com sujeito, verbo e predicado. Tipo: “Vou asfaltar tantos quilômetros de estradas em tais lugares a um custo de tanto”. Ou: “A minha meta é gerar tantos empregos, em tais setores, que serão criados por meio de tais leis, tais incentivos e tais projetos”. Ou ainda: “Para baixar a inflação dos alimentos a xis por cento ao ano vou tomar tais e tais medidas de apoio à produção e alterar tais e tais impostos em tantos por cento”.
Sem metas, números e planos para avaliar, vamos votar de acordo com a simpatia, a beleza física, a educação, ou ainda o tamanho da “capivara” de cada candidato. Convenhamos, é muito pouca informação para fazer escolhas tão importantes. É muito pouco compromisso dos candidatos com a sociedade. Quem entrar vai poder dizer: “Não prometi nada, você votou em mim por que quis”.
Na eleição proporcional –senador, deputado federal e deputado estadual– a situação é ainda pior. Além de os candidatos não poderem assumir compromissos com realizações porque não têm a chave do cofre na mão como acontece com o Poder Executivo, esses podem prometer qualquer coisa e depois se esconderem durante quatro anos sob a alegação de que os culpados são os outros, que não aprovam os seus projetos.
Também vamos votar quase no escuro nesses nomes. E pior, assim que terminar a apuração dos votos, os eleitos passam a fazer parte do grande problema político-institucional em que o Brasil está mergulhado, em vez de começarmos vida nova para consertar os erros que vêm sendo cometidos em volume a cada dia maior.
Algumas lições
Mas já é possível, repito, a gente tirar algumas conclusões sobre –relembrando o título de um livro de discursos do velho senador Franco Montoro, lá nos anos 70, “a democracia que temos e a democracia que queremos”.
1
Os partidos políticos precisam voltar a ser fortes – Menos partidos, talvez no máximo uma dúzia, porém com ideologia bem definida, personalidade própria e políticos que tenham realmente identidade com esses partidos, aos quais devem fidelidade. Hoje, mais do que nunca, cada partido aceita qualquer um e a maioria deles possui gente de esquerda, centro, direita ou nenhuma das anteriores, formando um grande saco de gatos.
2
Os Poderes precisam passar por uma faxina – É difícil precisar a partir de quando tudo isso aconteceu. Mas o fato é que, se nossos Poderes ainda existem, “nunca antes na história deste país” estiveram tão desarrumados e desmoralizados, quando deveriam ser “independentes e harmônicos entre si”. O Judiciário precisa urgentemente de uma reforma para se adequar às novas –e às antigas também– necessidades do Brasil; o Executivo precisa voltar a se ajustar ao grau de seriedade que se exige dele, com responsabilidade fiscal, respeito ao teto de gastos, combate à corrupção, bom uso do dinheiro público, metas de desempenho em todos os setores. O Legislativo, ora, o Legislativo precisa ser implodido e criado novamente.
3
As instituições precisam ser mais fortes – Foi-se o tempo em que o país podia contar com uma OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) digna de credibilidade, atuando fortemente para resolver as principais crises que o pais viveu; as entidades empresariais deixaram de dizer em público o que defendem para buscar acordos “secretos” com os ocupantes do poder; os sindicatos de trabalhadores murcharam, deixaram de pensar nas categorias que representam e colaram definitivamente nos partidos políticos; a imprensa, que já se notabilizou por expor as vísceras dos problemas que afetam o país, se apequenou, perdeu espaço para meros influenciadores digitais e internautas curiosos, e hoje vive presa nos “cercadinhos” do poder. Para exigir as mudanças que o Brasil precisa, as instituições precisam ser fortes e respeitadas.
4
A sociedade brasileira precisa ser recriada – Mais ou menos pela ordem: o Brasil precisa repensar todo o seu sistema educacional, pois o brasileiro está desaprendendo a ler e interpretar o que ainda lê; o país precisa ser reindustrializado para que valha a pena estudar para ter uma carreira; é preciso uma urgente revalorização da ciência e dos valores que devem nortear a sociedade para que as pessoas acreditem que existe algo além do “vale tudo” atual, onde prostituição virou atitude e bandidagem virou empreendedorismo.
Por onde começar?
É difícil saber quem poderia fazer isso no Brasil de hoje, já que, parafraseando um antigo e célebre editorial do antigo e respeitado jornal “O Estado de S. Paulo”, as “instituições [estão] em frangalhos”. Mas alguém precisa começar o trabalho de reconstrução do Brasil.
Precisamos de uma nova Constituição. É o único caminho para tentarmos arrumar a casa. Uma Constituição que, como analisei acima, redefina todos os poderes, o sistema eleitoral e os direitos e deveres da sociedade. O ideal, no meu modo de ver, seria a instalação de uma Assembleia Constituinte escolhida exclusivamente para essa finalidade, trabalhando no atacado, enquanto os políticos eleitos cuidam do varejo do dia a dia. Difícil? Quase impossível. Mas, repito, não vejo outro caminho.
Enquanto essas “reformas de base” –opa, essa expressão já deu desculpa até para golpe de Estado– não forem feitas, eleições como as que acontecerão neste domingo, em primeiro turno, serão mera formalidade para a troca de alguns mosquitos, porém sem a retirada dos excrementos que nos colocaram na situação em que estamos.
Apesar disso, vamos votar da melhor maneira possível. Em ordem, em paz e com os olhos no futuro. Porque o presente já é um caso perdido.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.