Domingo pede cachimbo e churrasco. No que passou do primeiro turno das eleições, acordei cedinho. O sol não tinha raiado e eu já estava de olhar estalado no teto do quarto em penumbra.
Ando acordando muito cedo. Minha mulher deu o seu diagnóstico. Diz que durmo com as galinhas, por isso acordo com elas. Acho que é da natureza humana, mas não posso precisar. À medida em que envelhece a pessoa carece de mais tempo para ranhetar. Às vezes vou para a sala e deito escreveção.
Mas, voltando ao prumo para não perder o rumo. Domingo passado –como os demais– aproveitei para cumprir o preceito de ir à igreja no meu quintal. É muito perto de casa. Conto trinta passos e estou no seu umbral. Na missa o padre João, como um professor, fez de sua homilia uma aula. Sem derrapar.
A missa das 7h reúne bom número de fiéis. Num relance vi o Jairo e a Márcia, ausentes domingo passado; o sr. Faria, que nesse horário esquece as flores que cultiva na rua mais alegre e colorida do bairro, também estava lá; o Boré, que no Brasil não perde a fé… enfim, gente que acorda com as penosas, como eu.
Depois, tratei de cumprir outra obrigação: votar. Antes, arrumei a cama deixada em desalinho. Como no dia anterior o Azeitona deu de ratear e tossir, reclamando cabos e velas novos, fui a pé. Vou votar, espreguiçar e churrasquear, planejei.
E lembrei-me de que no dia anterior, ao entrar numa bola dividida com um amigo do Face sobre política, saí com um quente e dois fervendo. Mais novo que eu, o sujeito, de boa formação, ignorou suas crenças e convicções e veio na veia. Não tive como evitar. No domingo, eu nem aí para o fariseu, e deu meu filho de me ligar.
– Pai, o senhor já votou? Na minha seção a biometria está atrasando a votação, tem fila grande e eu preciso que compre minha cota de carne para o churrasco da turma dos “Véios”, pois tenho compromisso às 11h.
Diante disso, saí rumo ao açougue topando com um punhado de gente a caminho das urnas. Um grande vaivém, pois me avizinho de três escolas onde se vota. Nas ruas, santinhos (?). Aos milhares. Dinheiro do fundão jogado no chão.
Na esquina da padaria encontrei o Silvinho, que não via há tempos. Vestido com a camisa do Palmeiras, ele foi logo dizendo que tinha sapecado o voto no “homem”. Voltava ligeiro com medo de que algum ladrão invadisse sua casa, que tinha deixado aberta por causa de um defeito inesperado na fechadura.
– Eu não ia me furtar de dar um voto para o (…). E disse em alto e bom tom o nome do sufragado.
Não quis dar corda, pois, como diz a parlenda, o touro é valente e machuca a gente. Por isso abreviei a conversa e fui para o açougue onde, acredite, tinha fila pra comprar sabe o quê? Picanha! Todo mundo tinha pensado como eu: votar, churrasquear e cachimbar.
Voltei para casa apressado, pois tinha alguns afazeres. Mas no caminho não pude deixar falando sozinhos os velhos conhecidos Bento e o Brito –que não são uma dupla sertaneja. Meia dúzia de palavras com cada um. Nada de política. Eu, hein!!
O primeiro constatou que o glorioso Santástico melhorou a performance sob comando do interino e deve sobreviver no Brasileirão. Tomara, pensei. Já o segundo ocupou meus ouvidos para passar uma receita de torresmo de rolo que é supimpa, garante. Agradeci e fui embora.
Como a reunião da “veiarada” ao redor da churrasqueira seria à tarde –para acompanhar a marcha das apurações– e a gente já ia se empanturrar de carne, decidi, com a dona Maria, por uma comidinha leve no almoço.
Almocei e ociei, mas não pitei. Depois das 16h os convidados foram chegando, um a um, trazendo um naco de carne, uma bebida e uma incrível confiança no desempenho de um dos candidatos. Foram embora após contado o último voto. Estavam esperançosos, pois, ao contrário da letra da palavra cantada, o buraco é fundo, mas não “cabou” o mundo.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.