Hoje vamos analisar o Projeto de Lei 2.567/22, de autoria do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados, que altera a Lei 9.504/97, o Código Eleitoral. O projeto de lei busca punir os responsáveis por pesquisa eleitoral com números divergentes, acima da margem de erro, em relação aos resultados oficiais das eleições. O texto prevê reclusão de 4 a 10 anos e multa para quem publicar pesquisa divergente nos 15 dias anteriores ao pleito.
Embora esta coluna busque esclarecer o mundo jurídico em todas as áreas do Direito, atualmente as eleições roubam todas as atenções e é farta a existência de dúvidas, descabimentos, notícias falsas e até mesmo ilegalidades, infelizmente, como tentativas de desviar o foco ou questionar insucessos futuros. Para tanto, vamos nos socorrer do bordão futebolístico e perguntar: criminalizar os responsáveis por pesquisas eleitorais. Pode isso, Arnaldo? Vejamos.
O que diz o projeto de lei?
Segundo o deputado, no primeiro turno “as pesquisas eleitorais erraram para além da margem de erro esperada e não só para a presidência da República, mas também para diversos governos estaduais e para o Senado Federal. Um erro gravíssimo, já que esses levantamentos acabam manipulando e interferindo diretamente na escolha do eleitor, que muitas vezes se vê compelido a trocar seu candidato para fazer valer o ‘voto útil’”. (Fonte: Agência Câmara de Notícias).
Se aprovado o projeto, responderão por crime o estatístico responsável pela pesquisa divulgada, o responsável legal do instituto de pesquisa e o representante legal da empresa contratante da pesquisa. O crime se consumaria ainda que não haja intenção (dolo) de fraudar o resultado da pesquisa publicada. Quando não houver intenção (culpa), o responsável terá pena reduzida em 1/4.
A lei eleitoral vigente prevê detenção de seis meses a um ano e multa para quem divulgar pesquisa fraudulenta. Neste caso, que já existe, a fraude deve ser comprovada. Para o autor do projeto, porém, não é necessário o dolo específico de fraudar o resultado da pesquisa publicada para que se configure o crime, bastando o ato de divulgar a pesquisa com dados divergentes além do permitido nos 15 dias antecedentes ao pleito.
Em resumo, para se consumar o crime basta que haja publicação, nos quinze dias que antecedem as eleições, de pesquisa eleitoral cujos números divirjam, além da margem de erro declarada, em relação aos resultados apurados nas urnas (art. 33-A da Lei 9.504/97). Por exemplo, se a pesquisa trouxer como resultado 40% para certo candidato, com margem de erro de 2% (de 38% a 42%), e ele obtiver 43%, os responsáveis poderão ser condenados a ficarem reclusos em prisão de 4 a 10 anos, mais multa.
Além disso, “o veículo de comunicação que pretender divulgar pesquisa eleitoral fica obrigado a publicar também todas as pesquisas eleitorais registradas na Justiça Eleitoral no mesmo dia e no dia anterior ao daquela que se pretende divulgar, sob pena de incorrer em multa de 1.000 (mil) salários-mínimos” (art. 33 §6º da Lei 9.504/97), ou seja, onerando absurdamente os veículos de comunicação e inviabilizando a divulgação das pesquisas.
Dolo ou culpa. Reclusão ou detenção
Vale um esclarecimento inicial em relação aos termos jurídicos acima. Dolo ou culpa são condutas caracterizadoras do ato, com intenção –quando o agente prevê objetivamente o resultado e tem vontade de produzir esse resultado (dolo)–, ou sem intenção, por negligência, imprudência ou imperícia (culpa).
Para exemplificar, um motorista que acelera contra a multidão age com dolo específico. Se dirige sem carteira ou sem prestar atenção e atropela alguém por descuido ou desconhecimento técnico, age com culpa. Se atropela alguém e está sob efeito de álcool, age com dolo eventual –assume o risco de produzir o resultado. Em resumo, o dolo é conduta mais gravosa.
Já reclusão e detenção são regimes de cumprimento de penas. A pena de reclusão é aplicada a condenações mais severas. O regime de cumprimento pode ser fechado, semiaberto ou aberto, e normalmente a pena é cumprida em estabelecimentos de segurança máxima ou média. A detenção é aplicada para condenações mais leves e não admite que o início do cumprimento seja no regime fechado. Em resumo, a reclusão é um regime de pena mais gravoso.
Para efeito de comparação, o gravíssimo crime de estupro (art. 213 do Código Penal, sem os agravantes dos parágrafos 1º e 2º), prevê pena de reclusão de 6 a 10 anos, mesmo regime de cumprimento e mesma pena máxima do projeto de lei aqui analisado. Sem pensar ainda em mais nada, de início, seriam condutas similares, quanto ao resultado ou bem jurídico tutelado?
Entendendo um pouco de pesquisa eleitoral ou de mercado
Pesquisa de mercado é um processo de coleta de informações sobre determinado público-alvo. Chamada “eleitoral” quando o público-alvo for o de eleitores para certo pleito. Pode ser quantitativa ou qualitativa, métodos diferentes que buscam respostas distintas. O termo “quantitativo” busca responder quais as tendências numéricas, por exemplo, de intenção de voto. É estatística pura.
Já a pesquisa qualitativa busca conhecer como seu público age, o que sente, desejos, o que espera do futuro governante, por exemplo. O Projeto de Lei 2.567/22 busca criminalizar a conduta nas pesquisas quantitativas, pois cita expressamente “números” que possam divergir do resultado real alcançado.
Mas, afinal, a pesquisa eleitoral quantitativa tem como ser exata? A resposta é não. Explico. Como não é possível a pesquisa ser feita com a totalidade dos eleitores, é usado método estatístico, utilizando-se de dois requisitos, o “universo”, que é o conjunto total de elementos que possuem as características objeto do estudo, por exemplo, o total de eleitores do país, estado ou município, dependendo do cargo, e a “amostra”, que é uma parte do universo escolhido a partir de um critério de representatividade (segundo Vergara, 1997), critério este que pode ser baseado em características demográficas como idade, sexo e classe social, além de representar todas as regiões daquele universo.
Além dessa metodologia, a pesquisa apresenta “nível de confiança”, que é a frequência com a qual o intervalo observado contém o parâmetro real de interesse quando o experimento é repetido várias vezes. Nas pesquisas dos grandes institutos, este nível é de até 95%, em média. “Margem de erro”, por sua vez, é a quantidade de erro amostral aleatório nos resultados de uma pesquisa. A tendência é que quanto maior e mais bem criteriosa a amostra em relação ao universo pesquisado, menor é a margem de erro, para mais ou para menos, mas não há como ser exata ou imutável ao longo dos dias subsequentes.
A pesquisa é uma fotografia daquele momento, quando os dados foram coletados. O comportamento do entrevistado pode variar segundo tendências observadas, por exemplo, uma curva de aumento de intenção de voto ao longo do tempo, entre outros pontos.
A pesquisa é, portanto, uma ferramenta que vai orientar, no caso eleitoral, partidos, candidatos e até mesmo o eleitor, sem falar do grande público, investidores, apoiadores, entre outros. Mas pesquisa não adivinha o futuro.
Exemplificando: pesquisa Datafolha
O Datafolha foi um dos institutos criticados pelos governistas no primeiro turno desta eleição. Na pesquisa que antecedeu ao primeiro turno, o instituto trouxe que Lula teria 47% (de 45% a 49% na margem de erro) e Bolsonaro 29% (de 27% a 31%), na pesquisa estimulada (quando o entrevistador apresenta os nomes dos candidatos), e que Lula teria 38% (de 36% a 40% na margem de erro) e Bolsonaro 26% (de 24% a 28%), na pesquisa espontânea (quando o entrevistador apenas pergunta em quem o eleitor vai votar).
O resultado oficial foi 48,4% para Lula e 43,20% para Bolsonaro, diferença deste candidato que gerou as críticas, mas a maior diferença ocorreu em algumas eleições para governo estadual e para o Senado. O que ocorreu? A pesquisa errou? A resposta é não.
Como trouxemos, a pesquisa quantitativa fotografa o momento e não é uma previsão do futuro. Pode ser interpretada com o movimento de outras pesquisas ao longo do tempo, mas o que ocorreu neste ano foi um conjunto de fatores, segundo analistas: 10% decidiram voto para presidente na véspera ou no dia do 1º turno; houve movimentação de voto útil, tirando votos dos demais candidatos para o segundo colocado (sim, ele foi beneficiado); apesar da abstenção elevada, houve grande comparecimento daqueles cujo voto era facultativo (de 16 e 17 anos e acima dos 70 anos); pode ter havido o “voto envergonhado” ou boicote aos entrevistadores por parte do eleitorado; está sendo uma eleição de rejeições e não de virtudes, necessariamente. Enfim, em resumo, a pesquisa eleitoral é um instrumento vital da democracia, mas não pode ser engessada em parâmetros pré-estabelecidos de resultado, como quer o projeto de lei.
Afinal, é possível criminalizar a conduta dos responsáveis pelo resultado de uma pesquisa eleitoral? Não, não é. Seria a mesma coisa que o governo projetar uma inflação de 5% para o ano seguinte e o resultado for 9% por causa de diferentes fatores internos e externos que determinam mudanças sociais, econômicas e comportamentais ao longo do tempo, além daquela fotografia da previsão inicial, afetando a vida da população, empresários, investidores, consumidores, todos em geral. O presidente e o ministro serão responsabilizados?
Tecnicamente, o projeto ainda vai contra outros ditames legais, alguns constitucionais. Responsabiliza o tomador do serviço (representante legal da empresa contratante da pesquisa) e o funcionário contratado (o estatístico); admite a modalidade culposa criando a figura do resultado estatístico como resultado negligente ou imperito e deixa ao acusado provar que não houve dolo, invertendo o ônus da prova e a presunção de inocência; é uma forma de censura prévia e óbice ao direito constitucional de informação e livre exercício empresarial, entre outros.
O que fazer?
Além de haver uma educação ao público no sentido de que pesquisas são ferramentas e não previsões do futuro, são várias as medidas possíveis para aumentar a certeza dos resultados nas pesquisas eleitorais. Aqui cito algumas: manter a base de dados da população atualizada com melhores níveis de confiabilidade das amostras e do próprio universo (o último Censo foi feito em 2010…); buscar melhorias constantes na metodologia usada pelos institutos; realizar apenas pesquisas espontâneas e não estimuladas, pois é assim que ocorre com a votação real.
De resto, todos temos que ter consciência de que o questionamento sobre as pesquisas veio substituir o questionamento em relação às urnas eletrônicas, como questionamento prévio a possíveis insucessos futuros, como discurso eleitoral, apenas isso. A propósito, alguém viu o resultado da auditoria (tão cobrada por alguns) feita pelos militares (Ministério da Defesa) nas urnas eletrônicas, concluída logo após a eleição? O TCU (Tribunal de Contas da União) já divulgou sua auditoria e não registrou nenhum dado incorreto no processo de conferência de votos por candidato para os cargos de senador, governador e presidente, realizado em 560 boletins de urna.
No próximo artigo, vamos falar um pouco do STF (Supremo Tribunal Federal).
> Eduardo Weiss é jurista, advogado, professor, palestrante e autor. É Doutor em Direito Internacional e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.