– No sábado vou até a cidade comprar umas coisinhas…
Dita assim, a frase significa que alguém vai sair da zona rural e vai até a zona urbana de algum município para fazer compras. Mas aqui em São José dos Campos não é assim. A pessoa quis dizer que vai sair do seu bairro e vai até a região central. Isso mesmo: tudo na mesma cidade.
Esta e outras formas de o joseense se expressar mostram o quanto a cidade cresceu a partir da década de 1970. A ponto de hoje nós podermos dizer que temos cinco ou seis “cidades” dentro de uma só. Esta reflexão me surgiu ao ver a movimentação dos recenseadores do IBGE colhendo informações para o novo Censo, que atualizará nossos números. Segundo estimativa do IBGE, nós éramos 737.310 habitantes em 2021, o quinto município mais populoso do estado de São Paulo e o 25º do país.
Fui visitado no meu condomínio pela recenseadora Rebeca, muito simpática e bem treinada. Espero que você também tenha tido sorte com o profissional que visitou a sua casa –ou que ainda vai visitar. Neste Censo, o IBGE trouxe uma boa novidade: um cartazete com a foto e o contato do recenseador é divulgado com antecedência –pelo menos nos prédios de apartamentos.
Mas voltemos ao ponto em que, dizia eu, várias “cidades” convivem hoje dentro da mesma cidade de São José dos Campos. Vejamos:
– A região sul de São José, com 37% da população total, tem cerca de 270 mil moradores, o que faz dela a terceira maior “cidade” da RMVale, atrás somente da própria São José e de Taubaté. Maior que Jacareí…
– O Urbanova, na região oeste, somado ao Jardim do Golfe, um bairro relativamente novo colado a ele, concentra uma cidade nova, onde predominam os condomínios horizontais e um estilo de vida comparável ao Alphaville dos paulistanos e aos “subúrbios” que costumam aparecer nas séries e filmes norte-americanos.
– Brotado de uma grande área de fazenda até o final da década de 1970, o Jardim Aquarius é a nossa Manhattan, região de Nova York em que o estilo de vida cosmopolita dita a moda e os costumes.
– Em contraste, a simpática região norte da cidade, embora crescendo e melhorando sua qualidade de vida, continua sendo o nosso “interior”, onde velhos e bons hábitos permanecem em uso.
– Se alguém pensa que São José se separou totalmente do restante da região, o distrito de São Francisco Xavier prova que não. Distante 56 quilômetros do Centro, “São Xico”, como é carinhosamente chamado, com clima de serra da Mantiqueira, pontos turísticos, hotéis, pousadas e restaurantes, é a nossa Campos do Jordão.
– Não vou nem dizer que temos “nossa” praia em Caraguatatuba para você não dizer que estou apelando. Estaria mesmo…
– A própria região central da cidade é dividida em duas: o centro antigo e tradicional e o centro novo. No antigo, prevalecem o comércio e serviços populares. É para onde gente de todas as outras regiões se dirige quando diz que vai à “cidade”.
– O “centro novo” é formado pelos bairros que cresceram na chamada zona sanatorial do município, onde, até o final dos anos 50, estava a maioria dos grandes sanatórios para tratamento da tuberculose. Também é conhecido como centro expandido e como “centro nobre” da cidade.
Cada um na sua
Você pode perguntar: e eu com isso? Vou chegar lá…
Quando cheguei aqui, em 1977, a cidade tinha em torno de 250 mil habitantes. Você podia sair da Vila Ema e marcar com alguém em Santana dali a 10 ou 15 minutos. Não tinha erro. Mas o crescimento acelerado começava a amedrontar muita gente. “Como vai ser quando tivermos 400 mil habitantes?”, tremiam. “E quando chegarmos a meio milhão de pessoas?”, quase surtavam.
Realmente, durante toda a década de 1980, tivemos a sensação de que o caos de São Paulo, uma das cidades mais populosas do mundo, seria o nosso futuro inevitável. E a falta de recursos para obras, de qualquer porte, tornava a vida do joseense a cada dia mais complicada.
Afinal, o Brasil vivia uma grave crise econômica, com taxa de inflação gigantesca, dívida externa galopante e o setor público estava literalmente falido. O lendário “viaduto inacabado da Kanebo”, que em vez de ligar as regiões sul e central tinha apenas os pilares –dando a impressão de um Arco do Triunfo às avessas, ou seja, um Arco da Derrota–, era o símbolo daquele período.
Mas aí veio a Constituição de 1988, que destinou mais recursos para os municípios; veio o controle da inflação com a criação do Plano Real; vieram políticas de modernização do Estado, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, e o futuro do Brasil –São José incluída nessa história–, deu uma guinada.
Hoje, enquanto o IBGE faz a nova contagem da população, que vai nos deixar um pouco mais próximos dos 800 mil habitantes, podemos dizer que São José dos Campos está relativamente blindada contra os males do crescimento.
Alguns reflexos do que estou dizendo:
– Hoje eu posso escolher o shopping center que vou frequentar –existem dois de grande porte na região sul, um na oeste e um na central.
– Se preferir comércio de rua, nem preciso ir à “cidade”, tenho bons centros comerciais nas regiões sul, leste, oeste, no centro expandido e, em fase de crescimento, na região norte.
– No trânsito, o velho anel viário está suportando mais um “alargamento”, mas novas avenidas dispensam o seu uso para se chegar de uma região a outra, formando uma espécie de segundo anel viário, um anel viário ampliado.
– Projetos de mobilidade, como a Linha Verde, estão ligando regiões da cidade com linhas exclusivas, veículos modernos e sustentáveis, como uma espécie de metrô de superfície. A Linha Verde, com duas fases, vai ligar as duas regiões mais populosas da cidade –sul e leste– com passagem pela região central. Outras fases poderão vir no futuro, quem sabe?
Em qual você mora?
O que ninguém, nem de longe esperava naqueles anos 1970, é que, 50 anos depois, o joseense poderia escolher em qual São José quer morar: na tradicional ou na moderna; na rural ou na urbana; na vertical ou na horizontal; na próxima ou na distante…
Na próxima vez que você disser que vai à cidade, é capaz de alguém lhe perguntar:
– Em qual delas?
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.