Foto / SuperBairro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Logo que Josino entrou na sala, Mariquinha foi ao seu encontro gritando de alegria:

− Ganhamos, Josino, ganhamos na loteria, um dinheirão!  E dava pulos de contente.

Josino se fez sério e, imóvel, apenas olhava a mulher na sua agitação. Ela, percebendo sua sisudez, indagou:

− Que foi meu bem? Você não está feliz por ganharmos na loteria?

Ao que ele redarguiu, com cara enfezada e peremptória:

− Ganhamos, não: ganhei! Eu ganhei! Dias depois foi para a Bahia, onde consumiu a grana em dois anos, voltando depois para o lar conjugal, com a resignação da esposa.

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Corriam os primeiros anos do século XX em Itu, estado de São Paulo, terra desses personagens, por acaso meus bisavós maternos. Outros tempos, outros costumes, um tanto diferentes de hoje.

Dois aspectos merecem cuidado nesse acontecimento algo anedótico da família, mas verídico.

O primeiro, uma indagação revoltada: como o Capitão Josino −farmacêutico de larga prática na capital de São Paulo e depois na sua terra de Itu e em Itatiba, de boa família, embora um pouco dado à política e à jogatina– foi me fazer essa presepada, que repercute até agora nos antepassados? Não seria melhor investir o dinheiro em imóveis e garantir as boquinhas vindouras?  Ficar com a santa mulher, levando uma vida mais digna, longe das cartas?

Segundo, o que dizer da inacreditável tolerância, resignação e mesmo caridade dessa infeliz, que teve de aceitar de volta o marido folgazão, depois da esbórnia baiana, acolhendo-o como se nada tivesse acontecido? Não sei, vejo nas notícias de jornais da época que Maria das Dores sofreu muito na ocasião de sua própria morte, conquanto não se possa atribuir ao janota qualquer culpa no fato.

Não faço julgamento. Não se pode olhar os fatos passados com os olhos de hoje, pois muitas vezes descontextualizados, não levando em conta os costumes e a moral da época. Não significa, contudo, nem que sejam piores ou melhores do que hoje. Somente é que houve alguma mudança na atitude das mulheres, felizmente muitas empoderadas. Mais ou menos, não devem ser tantas; se assim não fosse, certamente não se veria tal quantidade aceitando contínuo assédio moral e violência de seus parceiros.

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Ó tempos! Ó costumes. Isto me faz lembrar Cícero nas Catilinárias, quando se voltava contra as atitudes viciosas e corruptas de seus pares no Senado Romano.

Hoje eu jogo na loteria um tanto cauteloso e mesmo com discrição, até porque minha mulher conhece o acontecido, não por mim, é claro. Não quero que ela pense que a história se repete, como diz o ditado.  Mas sempre vem a advertência de minha vigilante Tia Filoca, de implacável memória familiar:

− Olha lá, Zezinho, o que você vai fazer quando ganhar a bolada da Mega-Sena. Estou de olho!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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