O que parecia difícil, aconteceu. Tivemos eleições tranquilas no domingo, uma apuração rapidíssima e, como sempre, resultados que não podem ser contestados do ponto de vista da confiabilidade de todo o processo eleitoral.
Mas agora, quando a ficha já deveria ter caído para todos os candidatos e eleitores, para os vitoriosos e para os derrotados, surge uma reação inesperada em algumas rodovias de todo o país. Caminhoneiros estão bloqueando o tráfego para exigir o quê? Um golpe? O pior é que nem isso é possível saber porque os líderes do movimento não aparecem. O que preocupa é que eles têm atraído descontentes urbanos que se juntam aos descontentes sobre pneus.
Ainda revoltados com a vitória de Lula (PT) nas urnas, moradores de cidades cortadas por rodovias –São José dos Campos entre elas– estão engrossando o bloqueio. Sintomaticamente, a concentração de manifestantes em São José está acontecendo bem em frente ao DCTA. Um apelo para os militares da Aeronáutica se rebelarem? Tomara que a provocação não seja aceita.
Sem querer jogar gasolina para apagar esse princípio de incêndio, fica aqui a esperança de que os piromaníacos das estradas se cansem e comecem a voltar para suas casas. E que os bombeiros assumam a função de desmontar essa esdrúxula tentativa de virada de mesa.
O papel de cada um
Vamos tentar olhar os fatos e os personagens deste momento a partir de uma perspectiva um pouco mais distante, como se estivéssemos em um drone, para ter uma visão do conjunto das coisas, sem paixões e sem preconceitos.
– Jair Bolsonaro – O presidente quase foi reeleito. Mas ficou no quase e agora deve reconhecer o resultado, acalmar seus seguidores e começar a pensar como um poderoso líder de oposição a partir de janeiro. Isso é política e o nome do jogo é democracia.
– Lula – O vencedor de domingo deve ter a humildade de saber que só será presidente da República pela terceira vez porque uma parte dos eleitores votou contra o golpismo e a tentativa de destruir instituições por parte de Bolsonaro. Não deve esquecer que a corrupção em seu governo existiu e é intolerável. Que ele procure dar uma limpada em sua biografia. O país e o mundo estarão de olho.
– O grande culpado – O maior responsável pelo fato de Lula ser o presidente eleito para o período 2023/2026 tem nome: Sergio Moro. Como juiz, vestiu a camisa de um dos lados, foi pego no contrapé e teve o seu péssimo trabalho anulado. Se tivesse cumprido os requisitos de um processo legal, talvez hoje Lula estivesse assistindo às eleições de dentro de uma cela de prisão.
– O democrata – O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que quase chegou à presidência da República em 2006, percebeu que iria amargar mais uma derrota eleitoral, dessa vez pelo governo de São Paulo. Seu faro político o levou a entrar em uma parceria com Lula, em que Alckmin cumpriria o papel de atrair eleitores de centro e até de centro-direita para a candidatura petista. Passou vexames, como o de colocar o boné do MST, mas sai vitorioso e com uma missão importante no próximo governo.
– Os “xerifes” – Com amigos como esses, Bolsonaro não precisa de inimigos. Primeiro foi o tal “Bob Jeff”, que resolveu pregar uma estrela de xerife no peito –ou seria o lenço de bandido dos filmes de faroeste?– para tentar inflamar o país por meio da violência. Não deu. Depois, vem a megavotada deputada Carla Zambelli (PL) para, também posando de xerifona, tentar fazer justiça com as próprias mãos. Ela foi covardemente provocada e o tal jornalista que o fez deve responder criminalmente por isso, mas a reação de Zambelli foi politicamente desastrosa.
– O povo, antes do resultado – Deu demonstração de civismo, com eleições tranquilas em todo o país. Quem quis votar de verde e amarelo votou, quem quis ir de vermelho foi. O povo mandou bem no domingo.
– O povo, após o resultado – Não houve excesso de comemoração dos vencedores e, aparentemente, não haveria excessos no descontentamento dos derrotados. Infelizmente, agentes provocadores estão atuando em alguns pontos do país. Devem voltar para suas casas e começar a pensar em como continuar apoiando os partidos de oposição ao novo presidente.
– Classe política – De um modo geral, vem tendo comportamento exemplar. Vencedores comportados e derrotados cientes do resultado. Aplausos à declaração do governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); aplausos ao vice-presidente Hamilton Mourão, senador eleito pelo Republicanos no Rio Grande do Sul, que aceitou contatos com a chapa vencedora para iniciar a transição de governo.
– STF, TSE e Forças Armadas surgem como vencedores – Tanto o massacrado STF (Supremo Tribunal Federal), quanto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), colocados na mesma sacola nos últimos dias deste segundo turno, conseguiram controlar a sucessão presidencial mais crítica e complicada desde a retomada democrática do país com a eleição indireta de 1985 que escolheu o mineiro Tancredo Neves. O STF precisa se “reinventar”, mas aí é assunto para uma outra ocasião. E mais uma vitória das Forças Armadas brasileiras como guardiãs das nossas fronteiras, cumpridoras da Constituição e defensoras do Estado nacional.
De olho no futuro
A partir de agora, a melhor atitude que se espera da população brasileira é que entenda as eleições de 2022 como um passo importante rumo a um futuro melhor para o Brasil. Esta geração tem a obrigação de entregar para os filhos e netos um país inteiro, indivisível e empenhado em caminhar na mesma direção, mesmo com diferenças ideológicas.
O mapa eleitoral que surgiu após a totalização dos votos de domingo mostra um Brasil dividido ao meio, como uma linha de Tordesilhas deslocada do sentido vertical para o horizontal. Agora, temos um Brasil com tendência ideológica do centro para a direita no Sul, parte do Sudeste e no Centro-oeste, e um Brasil do centro para a esquerda no Nordeste e no Norte. Não podemos ampliar essa divisão, devemos eliminá-la.
Dito isto, me despeço cumprimentando os eleitos, respeitando os derrotados e torcendo para que tenhamos o país livre e desimpedido o mais rapidamente possível.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.