Foto / Ralf Vetterle/Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

O silêncio do presidente em exercício sobre o resultado da eleição está sendo visto como ato preparatório para uma tentativa de golpe, uma espécie de Capitólio tupiniquim. Esta inação, silêncio ou omissão, como se queira chamar, valida, autoriza ou ao menos estimula atos ilegais de seguidores radicais, poucos, mas que causam graves danos e transtornos à sociedade, principalmente com o bloqueio de estradas e vias municipais, cerceando o direito de ir e vir da população, impedindo o trânsito de alimentos, remédios, doentes e das próprias pessoas. A omissão inicial da Polícia Rodoviária Federal (PRF) reforça esta tese.

Juridicamente, perguntamos: há crimes?

Segundo a decisão do ministro Alexandre de Moraes, ratificada pelo colegiado do STF, “o quadro fático revela com nitidez um cenário em que o abuso e desvirtuamento ilícito e criminoso no exercício do direito constitucional de reunião vem acarretando efeito desproporcional e intolerável sobre todo o restante da sociedade, que depende do pleno funcionamento das cadeias de distribuição de produtos e serviços para a manutenção dos aspectos mais essenciais e básicos da vida social”.

De fato, o direito de reunião está previsto pelo art. 5 XVI da CF, “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Mas não é o caso. Já o art. 5º XV da CF diz: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

PUBLICIDADE

Crimes dos manifestantes

Em relação aos radicais que estão à frente dos atos, são vários crimes, com penas de prisão que podem chegar a 12 anos, multa e apreensão dos veículos usados para os bloqueios. Cito o artigo 359-M do Código Penal, para atos que tentem subverter a ordem institucional ou tentem depor, por meio de violência ou de grave ameaça, um governo legitimamente constituído, além da tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, crime previsto no art. 359-L, com pena de 4 a 8 anos, além de incitação ao crime, previsto no art. 286, ambos do Código Penal.

A lista é grande. Ainda, expor a perigo ou tentar impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial, aérea ou por qualquer outro meio de transporte público. Atentar contra a segurança ou funcionamento de serviços de utilidade pública, além da desobediência a ordem legal de funcionário público. Continuando, crime de dano (art.163), associação criminosa (art. 288), entre outros.

Crimes dos funcionários públicos

Quanto aos funcionários públicos que se omitirem da função (federais, estaduais ou municipais), destacamos a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que determinou, em razão de apontada “omissão e inércia”, que “a Polícia Rodoviária Federal adote imediatamente todas as providências sob pena de multa de R$ 100 mil em caráter pessoal ao diretor-geral da PRF, a contar de meia-noite de 1º de novembro, além da possibilidade de afastamento de suas funções e até prisão em flagrante de crime de desobediência caso seja necessário”.

Devemos lembrar dos crimes gerais em espécie, como “prevaricação”, art. 319 do Código Penal – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

PUBLICIDADE

Presidente da República

Mas a pergunta de todos é: por que o presidente está em silêncio? Por que não se manifestou sobre o resultado da eleição e sobre os atos antidemocráticos e criminosos por seus seguidores radicais? Há crime?

Existe uma corrente que entende estar o presidente aguardando 72 horas para requisitar o uso das Forças Armadas para restabelecer a lei e a ordem, art. 142 da Constituição Federal, sob o regime da Lei Complementar 97 de 1999 e do Decreto 3.897/2001, e, desta forma, iniciar um movimento que questionaria o próprio pleito eleitoral. Segundo esta narrativa, “o bolsonarismo estimula uma desobediência civil após a eleição de Lula e força alguma autoridade estadual a pedir a intervenção do Exército. Só que, pela Constituição, quem tem de dar tal autorização é Bolsonaro, e o impasse se coloca, culminando num embate entre Planalto e Supremo” (segundo a Folha de S.Paulo), manobra esta esvaziada pela rápida resposta do STF.

Neste sentido, o ministro Alexandre de Moraes decidiu nesta terça-feira que “as polícias militares dos estados possuem plenas atribuições constitucionais e legais para atuar em face desses ilícitos, independentemente do lugar em que ocorram, seja em espaços públicos e rodovias federais, estaduais ou municipais”.

Em relação a este silêncio, pode-se entender que na omissão do presidente da República sobre os graves atos e danos à sociedade, como os que estão acontecendo, estaria configurado o crime de responsabilidade, previsto no art. 85 da Constituição Federal, principalmente em seus incisos III e IV:  “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.

Os próximos capítulos nos dirão qual a resposta jurídico-político-social a este imbróglio, além do que o STF já fez. Continuamos, assim como a maioria da sociedade, zelando pelo Estado Democrático de Direito, pelas instituições do país, pelas garantias e princípios constitucionais e pelo debate de ideias, não pela propagação de mentiras, da violência e do discurso de ódio.

 

> Eduardo Weiss é jurista, advogado, professor, palestrante e autor. É Doutor em Direito Internacional e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.

PUBLICIDADE