Eugenio Montejo
A casa onde meu pai vai nascer
ainda está inacabada.
Falta a parede que minhas mãos ainda não construíram.
Seus passos procurando por mim através da terra
agora vêm em direção a esta rua.
Mesmo assim, não consigo ouvi-los, eles ainda não me alcançam.
Atrás daquela porta há ecos
e vozes que reconheço a quilômetros de distância,
mas são ditas apenas por retratos.
O rosto não visto em nenhum espelho,
porque já nasceu tarde
ou ainda não existe,
pode ser de qualquer um de nós –
é igual a todos nós.
Nesse túmulo não estão os meus ossos,
mas sim os de Zacarias, o bisneto,
que usava bengala e pseudônimo.
Meus próprios restos mortais há muito se perderam.
Este poema foi escrito em outro século,
uma noite por uma vela que se apaga,
por mim, por outra pessoa, não me lembro.
O tempo consumiu a chama
e ficou nas minhas mãos escurecidas
e nestes olhos que nunca leram o poema.
Quando a vela voltar com sua luz,
já terei partido.
Eugenio Montejo foi poeta e redator venezuelano, fundador da revista literária “Azar” e cofundador da revista “Poesía”, publicada pela Universidade de Carabobo. Nasceu em 1938 em Caracas (Venezuela) e morreu em 5 de junho de 2008, em Valência (Venezuela).
> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.