O paulistano Charles Miller jogando em um time inglês ( é o quinto sentado da esq. para a dir. na fileira do meio). Foto / Splash/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

“Figuras entre os primeiros

Do nosso esporte bretão.”

Todo mundo sabe, até os torcedores adversários, que os versos acima fazem parte do hino do Corinthians. O que pouco corintianos devem saber é que o hino foi criado em 1953, portanto 43 anos depois de o clube ter sido fundado copiando o nome de um clube inglês que excursionou pelo Brasil na mesma época.

E como diria o genial dramaturgo e fanático por futebol Nelson Rodrigues, “aí é que está o busílis”: o tal esporte bretão. Quem seriam esses bretões que todo corintiano repete centenas de vezes por ano?

De acordo com os meus conhecimentos –Google! rs… –, os bretões são um povo originário do País de Gales e da região da Cornualha. Os bretões instalaram-se no oeste da França no século V, dando nome à região. Atualmente, a Grã-Bretanha é formada pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

O futebol moderno, que veio a ser conhecido como “esporte bretão” começou a ser jogado em meados do século 19 entre alunos de colégios britânicos. Em 1863, foi fundada a “The Football Association”, entidade que unificou as regras da modalidade e reuniu as equipes praticantes. A data é considerada a criação oficial do futebol no mundo.

Para tentarem complicar a ideia desta crônica, alguns espíritos de porco publicam mundo afora que é um erro chamar o futebol de esporte bretão porque, há uns 2.500 anos, chineses chutavam um negócio com formato mais ou menos esférico. Outros dizem que os gregos também batiam sua bolinha. Tudo bobagem. Vamos ficar com quem criou regras, organizou competições, exigiu uniformes, esses foram os inventores.

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É hora de relaxar

Depois dessa estafante introdução, que me deixou mais sem fôlego do que o lateral Daniel Alves aos 39 anos de idade, vamos falar da Copa do Mundo do Catar, que começa no próximo dia 20 com o “clássico” Catar x Equador (não perca!!).

O fato é que o Brasil vai ao Catar –nunca confunda com “vai se catar!”– com alguns dos melhores jogadores do mundo no momento, uma geração melhor que a das Copas de 2014 e 2018. Somos uma das seleções favoritas, ao lado de Argentina, França e mais três ou quatro esquadras europeias.

Quanto a nós, brasileiros, quase ao final deste “annus horribilis” de 2022, é uma boa oportunidade de baixar as armas –em todos os sentidos–, acalmar os nervos, dar um tempo em assuntos mais polêmicos e relaxar durante o período em que a bola vai estar rolando nos gramados plantados por cima das areias escaldantes da Península Arábica. Depois da grande final, voltamos ao nosso dia a dia estressante. Ou não. Que tal?

Giro de 360 graus

De acordo com desarmar os espíritos? Então vamos mergulhar na história do que era chamado, nos bons tempos, de “escrete canarinho”. Temos um bom time, repito, somos uma das seleções favoritas, insisto, mas não resisto a uma pergunta um tanto provocativa: “Nós quem, cara pálida?” É isto. Quem somos nós? Qual é esse Brasil que nos representa?

Tive a curiosidade de consumir um pouco do meu escasso tempo conferindo a lista de convocados pelo prolixo treinador Tite. E pasmem, cheguei a uma conclusão preocupante. Veja só. O futebol nasceu no Brasil no final do século 19, mais precisamente no ano de 1894, quando o estudante paulista Charles Miller retornou da Inglaterra e trouxe na bagagem bolas, uniformes e um livro com as regras do futebol. Nada mais bretão, certo?

Daí em diante vieram os clubes –a Ponte Preta de Campinas foi o primeiro, fundado em agosto de 1900–, os amistosos com times europeus, quase todos ingleses, os campeonatos, a formação das seleções brasileiras, a primeira Copa do Mundo em 1930 no Uruguai, a trágica Copa de 1950 no Brasil, o primeiro título em 1958, o bicampeonato em 1962, mais três canecos (1970, 1994 e 2002), e agora um jejum de 20 anos.

Desculpe a minha falta de rapidez de jogo aqui –estou parecendo o Fluminense do Diniz–, vamos voltar à seleção do Tite, a nossa “pátria de chuteiras”. Dos 26 convocados, nada menos que 12 –dá um time titular e mais um reserva!– jogam no futebol inglês. Você leu corretamente, doze “ingleses”, doze representantes do “esporte bretão” vestindo a “amarelinha”, como diz o Zagallo. Depois vêm cinco que atuam na Espanha, três na Itália, dois na França, um no México –o Dani Alves, amigão do Tite– e, pasmem, apenas três que jogam em clubes do Brasil. Resumo da ópera: 22 “europeus” contra três “brasileiros”.

Não me chame de retrógrado, por favor. Eu entendo perfeitamente que o dinheiro do futebol está na Europa, um pouco na Ásia e até em alguns clubes dos Estados Unidos, enquanto o Brasil se transformou em uma espécie de série B, às vezes série C, para os nossos craques. Até aí, normal. Mas é muito difícil para um torcedor brasileiro olhar a lista de convocados e nunca ter ouvido falar de sete deles. Para quem conhecia todos por nome, clube, posição, idade, estilo de jogo etc. etc. desde a copa de 1970 até mais ou menos a de 2002, é uma frustração.

A minha constatação é um pouco triste. O futebol brasileiro conseguiu, nesses 128 anos de existência, fazer um giro perfeito de 360 graus, partindo do paulista/inglês Charles Miller, percorrendo toda a sua gloriosa trajetória e chegando em 2022 a um Richarlison, que além de jogar na Inglaterra também tem um nome “britanizado”. Não vejo muita graça nisso…

Mas deixa pra lá, como propus lá no longínquo início deste texto, vamos esquecer as mágoas e tentar relaxar com a Copa do Catar. Se vencermos, ótimo; se um adversário melhor do que nós vencer, paciência; a festa fica adiada para 2026. Pelo menos na aceitação da Copa como uma competição esportiva e não como uma guerra, acho que o brasileiro evoluiu bastante.

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Hexa?

Encerrando, para não perder a viagem, vai aí mais uma observação de torcedor das antigas: o tal hexa como meta. Ora essa, quando o marketing e a publicidade não tinham tanta força, todo ser humano sabia que, pelo menos no futebol, o time só era bicampeão se vencesse a mesma competição duas vezes seguidas –e aí por diante. Exemplos: o Santos pentacampeão brasileiro de 61 a 65; o São Paulo tricampeão de 2006 a 2008; o Palmeiras bi em 72/73 e 93/94; o Corinthians bi em 98/99.

Neste ano o Palmeiras ganhou o décimo primeiro título brasileiro não consecutivo, mas é chamado pelo esquisito nome de hendecacampeão. Imagino como seria identificado o Corinthians com seus 30 títulos paulistas. O nome deve ser um palavrão. Essa história de somar todos os títulos como se fossem consecutivos deve ter começado no “tri” do Brasil em 1970, que na verdade não foi um tri, foi um título isolado depois do bi de 58/62.

Peço desculpas. Chega de rabugice da minha parte! Que venha o sexto título, ou o hexa, como querem a tal da mídia e da publicidade. E que ele una todos os brasileiros em mais uma corrente pra frente em torno da nossa seleção, mais bretã do que nunca, e do nosso país, que precisa ir pra frente.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 47 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 21 anos.

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