A distração é uma das palavras emblemáticas do vocabulário. Mas será que a gente pensa o suficiente sobre a palavra distração e tudo que ela representa? A pessoa tá emburrada e logo alguém diz: – precisa se distrair, saia por aí, faça alguma coisa.
Mas se andarmos com a cabeça nas nuvens, perdermos o fio da meada da conversa na reunião de trabalho, descermos da calçada para atravessar a rua sem olhar os dois lados, distraídos com os pensamentos ou com o sorriso cativante de alguém que passou por nós, a coisa pode dar ruim.
Ou seja, a distração é uma faca de dois gumes. Tanto ajuda quanto atrapalha. E, tenho cá pra mim que temos nos distraído um pouco além da conta.
Por exemplo, se antigamente as crianças se distraíam construindo rebanhos de limão e gravetos no quintal debaixo do limoeiro, passaram a traduzir seus sonhos com as peças de encaixar feitas de plástico, no asseio do tapete da sala de estar.
Até que os quadradinhos passaram a ser “encaixados” no computador, coisas simples e coloridas para ativar o raciocínio e avançaram para um dos jogos mais famosos da internet, o Minecraft, porta de entrada de muitas crianças e jovens para o mundo virtual “de verdade”, onde se pode construir outros mundos até que o mundo fora da tela se torne um desconhecido.
Parece que fomos feitos para criar e produzir, mas fomos tão longe que criamos máquinas para produzir o que criamos e máquinas para nos distrair da nossa capacidade de criar e cativar; até de cultivar, pessoalmente. Não as plantas, mas as amizades e os amores.
Os amigos estão presentes no Whatsapp, os possíveis amores são um catálogo no Tinder e depositamos confiança em nossos filhos e professores, mas se pudermos pagar preferimos a escola ou o hotel para pets monitorados por câmeras em tempo real, que faz o trabalho de cuidar enquanto estamos distraídos com outras coisas.
Epa, não me rotule. Estou longe de ser avessa à tecnologia e muito pelo contrário. Fico encantada com todas as possibilidades, facilidades e maravilhas desses avanços. É bom demais maratonar –palavra recente em nossas vidas– uma série boa em dez capítulos no fim de semana, comprada on demand com um clique apenas e programar a Alexa pra avisar a hora de pedir a pizza enquanto deixamos o celular em modo avião.
Mas uma pessoa como eu, que não é do tempo do guaraná com rolha, uma medida de tempo muito usada por meu colega Hélcio Costa, mas é da época do fax, dos cursos de datilografia e de uma paquera no barzinho, na rua, na chuva ou na fazenda, ao vivo e a cores, pode sentir uma falta danada de outra palavra importante do vocabulário: equilíbrio.
Tenho a impressão de que nos esquecemos dessa palavra pelo caminho, possivelmente entre o garoto que inventou o computador pessoal em sua garagem e o rapaz que criou a rede social em seu quarto universitário.
A tecnologia avança em nossas vidas sem que tenhamos tempo suficiente para avaliar caminhos e opções. E se a humanidade já fazia péssimas escolhas desde o Tempo do Onça, imagina o que vai ser do mundo na velocidade do 5G.
> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.