Pier Paolo Pasolini
Como um escravo doente, ou um bicho,
vagava por um mundo que me coubera em sorte,
com a lentidão própria dos monstros
da lama – ou da poeira – ou da selva –
arrastando o peito – ou as vãs barbatanas
na terra firme – ou asas feitas de membranas…
Em torno havia taludes, ou calçadas,
ou talvez estações abandonadas ao fundo
de necrópoles – com estradas e passagens subterrâneas
na noite alta, quando somente se ouvem
os trens assombrosamente distantes,
e marulhos de escolhos, no gelo definitivo,
na sombra que não tem futuro.
Assim, enquanto me erigia como um verme
mole, repugnante em sua ingenuidade,
algo se passou em minha alma – como
se num dia sereno o sol escurecesse;
sobre a dor do bicho atormentado
se sobrepôs outra dor, mais negra e mesquinha,
e o mundo dos sonhos se rompeu.
“Ninguém mais o procura por poesia!”
E: “Já passou seu tempo de poeta…”.
“Os anos cinquenta terminaram no mundo!”
“Está ficando velho com suas Cinzas de Gramsci,
e tudo o que foi vida lhe faz mal
como uma ferida que reabre e traz a morte!”
Pier Paolo Pasolini foi cineasta, poeta e escritor. Em seus trabalhos, Pasolini demonstrou uma versatilidade cultural única, que serviu para transformá-lo numa figura controversa. Nasceu em 5 de março de 1922, em Santo Stefano (Itália), e morreu, assassinado, em 2 de novembro de 1975, em Óstia (Itália). Fonte: Wikipédia
> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.